Ela era culta, era inteligente, era bela. Tenho a impressão de
que veio morar no Amazonas perseguindo uma grande paixão. Porque
filha de família ilustre de Boston, USA. Como ela mesmo contava:
"Minha mãe, advogada em Boston..." Eram estórias que começavam
assim. Era culta, inteligente. E bela. Mesmo com idade avançada,
a face branca, cabelos curtos. Vestida de amazona, cavalgava do bairro
da Cachoeirinha, onde morava desde 1937, até Flores, deixando o
povo por onde passava boquiaberto de ver passar tão ousada dama,
de botas pretas.
Chamava-se Marion Rechard
Menezes, nome de casada. Filha de Willian Raymond Rechard e Mary Rechard.
Nasceu em 23 de setembro de 1894, em Boston. Em 1924, ali casou-se com
Cícero Bezerra de Menezes, brasileiro, estudante, e naquele ano
veio para Porto Velho, onde Cícero trabalhava como tradutor na Companhia
Madeira-Mamoré. Isso era no meio da maior floresta do mundo, no
meio de serpentes venenosas, aranhas e escorpiões! Lugar infectado
de malária.
De 1927 a 29 morou na terra
natal, em Boston, de onde veio para Manaus definitivamente.
A princípio morou
na Vila municipal, lugar chick, de ricaços. Depois foi para a proletária
Cachoeirinha, Rua Ipixuna. A casa existia ainda até bem pouco tempo.
Para ocupar o tempo e sentir-se
útil, desde 1931 passou a lecionar inglês, primeiro no Juizado
de Menores. Depois, em 1942, na Biblioteca Pública.
Naquela sala sem janela,
meio escura, Mrs. Menezes lecionou até 1979, um ano antes de sua
morte, aos 86 anos. Ou seja, sua docência durou ao todo 48 anos ininterruptos.
Na realidade aquilo era
um prazer, para ela. Cobrava um preço insignificante. Um dia, ela
disse: «é uma quantia irrisória, mas necessária,
porque os jovens ficam persuadidos de que estão pagando o preço
justo, e não recebendo o que poderia parecer a caridade de uma estrangeira».
Enquanto viveu, o marido
ia levar e buscá-la de automóvel. Pois sua casa distante,
em local ermo. Gostava de silêncios. Reclamava para nós, seus
alunos, que a ambulância passava por lá gritando para levar
roupa do hospital para a lavanderia. Aquilo assustava os pássaros,
quebrava a tranqüilidade de Mrs. Menezes.
Ela foi minha primeira professora
de inglês.
Dizem que usava um método
didático próprio, pessoal, inventado por ela. Exigia muito
dos alunos e de si mesma, havia muito trabalho de casa para nós
e para ela, porque obrigava-nos a redação em inglês,
que levava para casa e nos devolvia minuciosamente corrigida em vermelho.
As turmas eram numerosas.
Certa vez muito elogiada
por ela foi a minha redação do "dia do mestre", pois eu disse
que gostaria de ofertar-lhe flores. Quase foi às lágrimas.
Ela era sensível, dava-nos o que possuía, ou seja, o seu
idioma. E aceitava todo tipo de aluno, bastava ser alfabetizado. Misturava
todos e conseguia gerenciar aquilo não sei como.
Tinha prazer no que fazia.
Todas quartas-feiras recebia
amigos, americanos e ingleses, para o chá em sua casa. Em 1975 recebeu
o título de "cidadã de Manaus". Era culta, era inteligente,
era bela. Era Mrs. Menezes.