Crônica de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor Aposentado da Pós da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel


SÍNTESE & REFLEXÃO

Apressadamente logo constatamos duas características na sua poesia: a síntese é uma delas, umas de duas, economia de palavras, rapidez, veloz, o dito em poucos versos, nada que esteja sobrando, ela mesmo tem o livro "Em poucas palavras", tudo posto na visão do total, da totalidade, desse "Holismo":

A vida é um constante exercício
De mãos, criando asas,
De pés, pisando em brasas.

Pois a arte de Leila Míccolis, sua vida, sua poesia coloca em constante exercício do ofício esse estilo sintético, aforisma dêitico, onde se criam asas mas se pisa em brasas, ou melhor, as mãos que costuram sonhos se opõem aos pés que circulam vivos, andam sobre este mundo concreto, cotidiano, nos seus tropeços, que há a realidade e os sonhos, tema bem brasileiro, feijão-e-sonho, dois-lados, dois brasis.

Pois, o que é a vida, senão esse balé, na contradição exercida, obra produto de nossas mãos estendidas, no espaço criamos a ponte o ponto onde nos soltamos; e a vida, esse caminhar sobre espinhos, brasas - os pés não se opõem às mãos, nem as mãos se alçam para cima no fugir do inexistir de asas, não, ao contrário, se completam, se entrelaçam, se pedem, se complementam, e se negam, seja porque se exercitam num ing-iangue positivo-negativo em que se suplantam sobrepõem superam constantemente no caminhar, seja porque, sem a loucura das invisíveis asas "que é o homem, mais que a besta sadia", e este chão "bem conhecido", que te bebe vivo, que te espera morto, há de te dar de comer, há de te comer.


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A poesia de Leila Míccolis vem nesse constante exercício holístico da visão sumária, da reflexão curta, da sabedoria de vida (e feminina), (e brasileira), (e pós-moderna) - com sua capacidade de tudo dizer encapsulado em poucos indícios, três quatro versos lhe bastam, poucas palavras, ricas de significações, que vão da filosofia de vida, bem-humorada, a um erotismo muito bem dosado, a uma crítica muito bem dosada, com uma poesia-minuto, antológica, poderosa, onde a intuição do instante se confunde com sua capacidade iluminadora de artista Zen. Ela é a melhor poesia de sua geração.

QUE nos lembra quão fugaz é a vida.

 

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É claro que há poemas maiores no "Sangue cenográfico", sua obra, o exemplário de sua "Cena", de seu "Sangue".

É claro que, além da síntese-reflexão, há muito mais.

 

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Mas, que mulher, que dona de casa não gostaria de dizer, para os filhos, para os netos, para as vizinhas e os parentes, e para o maridão: "PACIÊNCIA!":

 

Hoje não passei tua roupa
não encerei o chão
não lavei a louça
não sacudi o capacho.
Olho pro teto
e espero
que a casa venha abaixo.

 

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É o "conceito" um elemento último do pensamento. É compreensão de algo, um fenômeno, um objeto real ou ideal. Além de sintética, a poesia de Leila é conceituosa. Ela trabalha com conceitos e aforismos. São aforismos da vida cotidiana, familiar, amorosa, sexual. Da política do corpo, ecologia, sociedade. Da vida das mulheres. Não têm a pretensão de sabedoria, de verdade. Tudo é pura poesia, no verso, no ritmo, na rima.

 

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Leila tem um "estilo", algo próprio, logo reconhecível, pessoal, sua marca pessoal. Só grandes poetas como ela têm algo assim, pessoal e inconfundível, um som próprio, música própria, marca registrada. Eu não saberia dizer o que faz da sua obra algo diferente, peculiar. Para tal teria de preparar minuciosa pesquisa, estilística, estatística, temática. Necessitaria de um ano de indagação, de comparação, análise e interpretação. E teria de ler todos os outros textos da mesma época para dali extrair a diferença, o que é diferente e o que é influência. Sua poética.


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Mas apressadamente logo constatamos duas características na sua poesia: a síntese e o aforismo.

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