COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR

2ª quinzena de maio

O Conselho

Lúcia andava cheia do marido. Tão cheia que o ajudou a encontrar emprego em uma cidade próxima, mas não tão próxima - ela teve esse cuidado -. Ele teria que morar na outra cidade e viria para casa apenas nos finais de semana. Ela, muito esperta e dando uma de "esposa compreensiva e solidária" ainda o aconselhou:
- Olha, no começo eu sei que é difícil, mas é melhor você vir pra casa a cada 15 dias, para poupar gastos desnecessários.
Como as despesas da casa e do filho corressem por conta dela, que foi quem sempre segurou todas na casa e na família, apesar de tantas "aprontadas" dele, ficou combinado que cada 15 dias ela ia pra lá e nos outros intervalos de quinze em quinze dias ele voltaria para a casa. Tudo ia muitíssimo bem, pois ela sempre arrumava uma desculpa quando era o seu final de semana de deslocar-se até o marido, que alugara uma modesta casinha, em bairro retirado. Ao menos não havia discussões. O filho, já em idade universitária era noivo, agora tranqüilo, equilibrado, viajava, arrumando pretexto para não estar em casa convivendo com aquele pai pra lá de chato, quando ele vinha. Quando isso ocorria, sobrava pra Lúcia, claro! Afinal, Lúcia era o saco de pancadas favorito daquele crápula. Até que ela aprendeu a sair e ficar fora de casa o maior espaço de tempo possível para não ter que agüentar o marido.
Porém, chegou a Páscoa. Ele estaria de folga de quinta feira até domingo. Ligou para ela na quarta feira à tarde e pediu que fosse buscá-lo. Ela tentou se esquivar e saiu com uma desculpa:
- Não precisa se preocupar. Nós iremos passar o domingo com você. Pode chamar uma diarista que quando chegar aí eu pago. No sábado à noite chegamos aí: levo tudo pronto daqui, combinado?
- Ah, não senhora! Já estou com a mala pronta! Quero passar o feriado prolongado em minha casa, com minha família. Se você não puder vir me buscar, tudo bem: eu pego um ônibus e vou hoje mesmo.
Lúcia pensou rápido, tentando abreviar a estadia do visitante indesejado:
- Tá bom. Eu te pego, mas só posso ir amanhã à tarde.
- Combinado: te espero amanhã após o almoço.
Despediram-se e Lúcia entrou em desespero. Chamou o filho que, antes mesmo dela começar a dar a má notícia, foi avisando que a noiva viria passar a Páscoa com eles, aproveitando que o mal educado e grosso do pai não estaria em casa para estragar o feriado.
Ela colocou as mãos na cabeça e contou a novidade. Ambos sentaram-se à mesa, deixaram a cabeça pousada nos cotovelos. O filho chorou, ela berrou, puxou os cabelos. Sabiam que aquele seria um final de semana horrível e, o pior de tudo, mais um vexame familiar na frente da noiva!
Combinaram que manteriam a calma, tentariam "segurar todas", por conta da visita. Lúcia não parava de pensar. Nervosa, ligou para uma amiga e desabafou. A amiga, conhecedora da situação difícil de Lúcia, aconselhou-a:
- Lúcia, para que a paz reine ao menos por alguns dias em sua família, vou lhe dar um conselho de amiga mesmo: tente se reconciliar com ele. Isso já está indo longe demais! Vocês não podem se separar por causa dos bens, então tente, minha amiga. Vale a pena o esforço pelo seu filho! Pense bem: que ótima oportunidade! Páscoa é tempo de renascimento! Quem sabe o amor não renasce em seus corações?
Lúcia nem sabia o que responder. Deitar-se novamente na mesma cama com aquele monstro? Deixar que ele a tocasse de novo? Sentir seu corpo sobre o seu? Não agüentava nem o cheiro dele! Sua vontade era encher-lhe de tapas, tamanho ódio que sentia. Explicou tudo isso à amiga, que solicitou que ela fosse vê-la pessoalmente ainda naquela noite. Tinham muito que conversar.
Apesar do desânimo, da tristeza, Lúcia foi. Conversaram durante horas. Quando Lúcia voltou, não conseguiu dormir, pensando na conversa que tiveram. Ao contrário do combinado, na quinta feira ela pegou o carro e saiu cedo para buscar o marido. Estava muito ansiosa para colocar em prática os conselhos e ensinamentos que recebera na noite anterior na casa de sua amiga.
Resolveu que só tentaria uma atitude de reconciliação mais tarde. Ainda teria o dia todo para ser mal humorada, para espezinhá-lo, provocá-lo, ofendê-lo. Pararam no caminho para almoçar. Um lugar onde costumavam ir quando o filho era pequeno. Ela relembrou fatos, cenas, brincadeiras em família. Ele começou a estranhar aquela repentina ternura, pois achava que ela nem se lembrava que um dia eles se amaram de verdade.
Mas, rotina é rotina. Mal ele pisou em casa já começaram as discussões com o filho, as implicâncias com os bichos da casa, a irritação por causa da TV. Ele não respeitou nem a presença da noiva do rapaz. Depois de desabafar seu mau humor nato, largou a mala num canto da cozinha e gritou:
- Lúcia, lava e passa essa roupa pra mim. Até domingo de manhã tem que estar tudo pronto, certo? Não vá fazer corpo mole! Você é bem preguiçosa, quando se trata de afazeres domésticos!
Subiu as escadas de pescoço erguido, bufando, reclamando palavras ininteligíveis. Tomou um banho e encaminhou-se para o quarto do casal.
Enquanto isso, Lúcia, ruborizada de raiva, tentava acalmar o filho e sua noiva. De repente, parou no meio da sala, ergueu a mão direita como se socasse o ar e exclamou:
- Agora chega! Vou dar um jeito nesse cara!
Os dois se entreolharam, assustados. O filho abraçou a mãe, segurando-a firme em seus braços:
- Mãe, o que você vai fazer?
- Calma, meu filho! Vou tentar me entender com seu pai, pelo bem de todos.
Não vou fazer nenhuma loucura, pode ficar sossegado.
Lúcia subiu e viu quando ele se dirigia ao quarto. Entrou no banheiro, tomou um banho relaxante e preparou-se para a grande encenação de sua vida.

Até os vizinhos estranharam os gritos e uivos vindos da casa de Lúcia naquela noite. O filho e a noiva saíram para comer uma pizza, pois não estavam entendendo mais nada. Porém, estavam aliviados, pois dava pra perceber, pelos sons que escapavam do quarto, que os dois estavam se entendendo.

Quando tocou o telefone na manhã seguinte, Lúcia saiu do colo do marido à mesa, e correu atendê-lo. Era sua amiga e conselheira.
- E então, Lúcia? Conseguiu? Conte-me como foi?
- Você nem acredita, amiga. Foi ótimo. Dei uma surra nele: bati na cara dele com tanta força, com tanto ódio! Coloquei tudo pra fora.
- E ele, Lúcia? Não quis te bater também?
- Qual nada, adorou a nova Lúcia versão "sado-masoquista-dominadora".
- E você? Como está?
- Descobri que gosto dessa história. Coloco pra fora o ódio que tenho por ele até cansar! Aí fico relaxada e pronta pra encenar o amor! O duro vai ser ele disfarçar as marcas que deixei. Amiga, grata por me ensinar esses truques: você salvou minha família.

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