COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Conselheira Municipal da Cultura.

1ª quinzena de junho - Coluna 44
(Próxima coluna: 18/06)


REVIVAL

Minha primeira festinha. Devia ter entre treze e quatorze anos. Minha mãe deixou que eu fosse ao cabeleireiro passar meu cabelo, depois da touca caseira, que o deixou armado. Quem mandou ter cabelo grosso e em quantidade? Nas unhas pode fazer meia lua, mas com esmalte claro. Quero o branco, meia lua, bolinhas em tons de rosa choque, que combinam com minha roupa.

Na volta venho a pé, nervosa. Está escurecendo, e isso é sinal que a hora está chegando. Sua roupa está sobre a cama, deixei-a passadinha. Veja se não falta nada. Entro no banho. Tiro a blusa volta ao mundo , a calça boca de sino e saint tropez ; o cinto largo de couro made in Argentina com fivela de alicate dourado já larguei em algum lugar maluco da casa. Essa menina está com a cabeça nas nuvens! Ligo o rádio e ouço O Calhambeque . Imagino um ídolo de fotonovela chegando e buzinando. O pai vai reclamar: buzina se toca pra chamar vagabunda, e aqui não é casa de puta!

Limpinha, com touca de banho pra não desmanchar o cabelo lisinho e brilhante, passo o perfume. Cabochard . É importado, menina, chique. Um dos mais famosos. Caro de dar medo! Passo a base, pó-de-arroz, blush , sombra azul por dentro e marrom por fora, pra aumentar os olhos. Esse delineador plástico é um saco de passar! Rímel e delineador azul marinho. O batom é rosa forte. Solto os cabelos e começo a me vestir. Saia longa de organdi rosa, blusa estampada, quase transparente, sandália branca e rosa com metais dourados. Os brincos! Cadê os brincos de bola pendurada combinando? O novo? Claro, comprei hoje! Toma. Trouxe também seu anel de plástico com formiga dentro. Não, hoje quero aquele de alianças esmaltadas em todos os dedos, presas por correntinhas azul-marinho.

Mais uma olhada no espelho: perfeito!

Esse rádio tocando no banheiro? Traga pra mim, por favor. Agora toca Johny Rivers – “ Poor side of tall ”. Viajo em pensamentos e sonhos novamente. Levanta, menina, ou senta direito: vai amassar toda a roupa que levei horas passando!

Barulho de carro estacionando em frente de casa: o pai da Michele, que vai nos levar à casa das gêmeas. Cadê o presente? Minha bolsa? Toma, menina, calma. Quero você de volta antes da meia noite, certo? Se não tiver ninguém pra trazer, telefona que seu pai vai buscar.

Um beijo no pai, na mãe, um aceno e vou debutar nos bailinhos da vida. Quem sabe a primeira dança de rosto colado? Dizem que é tão bom! Chega a me dar um frio na barriga, imaginando. Primeiro beijo? Nunca deixe que te beijem no primeiro encontro. Ai, quanto conselho! Tudo misturado na cabeça: ansiedade, conselhos, nervosismo. A mão está suando. Que chato. Será que o perfume sai com o suor? Será que o Pedrinho vai?

Chegamos na casa da menina, colega de escola. Longe, longe: da Vila Mariana até Avenida Santo Amaro pareceu uma viagem! Como ela estuda tão longe? Lembro do bonde, que passa em frente à casa e me dou conta que de bonde é uma reta só: não deve demorar. Mas para vir de carro demos mil voltas. É quase em frente à estátua do Bandeirante. Nossa, parece outra cidade.

Não vejo Pedrinho. Começo a ficar amuada. A gente se olha desde sempre. Achei que talvez hoje a gente pudesse começar a namorar. Basta que ele pegue na minha mão e pronto: estamos namorando. Mas... Nada. Que coisa enrolada! Eu sei que ele gosta de mim. Epa , tem um menino loiro, bonito, parece mais velho e está me olhando. Ai, meu Deus, ele está vindo em minha direção. Michele , será que ele vem pra cá? Uma de nós duas vai dançar, com certeza. Detesto segurar vela. Ai, meu Deus, será que ta olhando pra você e vou tomar chá de cadeira? Que música é essa tocando na vitrola? Não sei, não conheço, mas é linda! Suspiramos. Olha que música é, Michele, quero saber. Eu não, só depois que esse pão chegar aqui e tirar uma de nós duas pra dançar. É comigo! Comigo que ele quer dançar! Ai, meu Deus, mãos suando, vontade de fazer xixi. Será que ele vai colar o rosto? Não posso deixar ele colocar as duas mãos em volta da cintura: só uma. Dançar coladinho é coisa pra namorado, e eu nem sei quem é esse pulguinho .

“ Got A Feelin '”, The Mamas and Papas: minha primeira dança de rosto colado. Acho que fiquei vermelha e todo mundo viu. Ta todo mundo olhando. Que vexame. Nossa, que menino cheiroso! Loiro de cabelo liso, cheio de espinhas na cara. Acho que ele ta precisando namorar. Acabou a música e ele não me soltou. E agora? Os rostos colados. Suamos e ficaram coladinhos. Ele vai ficar cheio de pó de arroz na cara. E eu? Vou ter que tirar toda a maquiagem! Imagine um lado maquiado e o outro de cara lavada ? Será que borrou a sombra?

Nossas mãos estão tão suadas que ele soltou um pouco. Ai, meu Deus, ele me encarou. Beijo não! Ta certo que é um pão, mas gosto do Pedrinho. Ai, ele vai ficar fulo da vida quando souber que dancei com outro de rosto colado. Bem feito: quem mandou não vir? Quem mandou não pegar logo na minha mão ou me pedir em namoro? Mas esse cara é um pão. Isso é, com certeza. Nossa, tem olhos verdes! Enxugou a mão. Aproveito e enxugo a minha também. Novamente mão com mão, rostinho colado. Ele tenta me apertar. Dou uma empinada de bunda e fujo do arrocho do rapaz. Meu Deus! Deve estar todo mundo olhando. Descolo o rosto e olho em volta. Sinto meu rosto pegando fogo. “Got A Feelin” de novo na vitrola. Dou uma espiada. LP ou compacto? Adorei a música. Nunca mais vou esquecer. A dança termina. Hora do bolo, parabéns pra você, e a festa acaba.

Viagem de volta. Pego o lencinho de bolsa e começo a tirar a maquiagem. O delineador é fácil: só puxar que sai tudo. Seu olho ta borrado. Já sei, por isso to tirando tudo, pra ninguém em casa perceber. Cochichamos. E então, como foi a festinha? Estou a mil. Esse perfume na minha mão não é só meu: é do menino loiro. Ficou misturado. Corro pro quarto, escovo os dentes, coloco camisola e durmo cheirando minha mão. Não foi amor, nem paixão, nem algo parecido. Apenas a primeira dança de rosto colado. Apenas a primeira festinha. Muitas mais, depois dessa, muitos rostos colados, muitas mãos suando, muita tremedeira e muita maquiagem desfeita.

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