COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Conselheira Municipal da Cultura.

1ª quinzena de maio - Coluna 66
(Próxima coluna: 18/5)


Valsinhas

“... e ali dançaram tanta dança, que a vizinhança toda se espantou;
e foi tanta felicidade, que toda a cidade se iluminou... ”
Chico Buarque de Hollanda – “Valsinha”

Do lado de cá
Vestiu a melhor camisa, após a chuveirada com sabonete cheiroso. As meias, ainda na embalagem, novinhas. Até graxa o velho sapato social ganhou, naquela tarde de sol. Ajeitou o cabelo, vestiu a samba-canção. O terno esperava, ainda no cabide, para não amassar. Fechou os olhos para se lembrar como dava um belo nó “italiano” na gravata de seda. Uma borrifada de perfume e vestiu o terno. Atendeu ao telefone, fez uma ligação, conferiu o bolso direito, pegou a chave do carro e saiu.


Do lado de lá
Não queria que a família percebesse o programa para o qual se preparava. Um banho de banheira. Demorado, relaxante, com sais perfumados e muita espuma. Secou-se com a tolha nova: branquinha, felpuda, macia. Vestiu calcinha e sutiã novos, de renda: alvos como a pureza do que sentia; radiantes como sua alegria. Pegou a escova e foi secando os cabelos em cachos anelados. Depois os deixou lisos, pois queria senti-los voando, embalados pela brisa fresca do final da tarde. O sol se poria por trás de si, deixando-os qual espectros coloridos, reluzentes, espelhando o brilho suave dos últimos raios de sol daquele dia. Vestiu um jeans velho, um tênis e uma camiseta qualquer. Na velha bolsa de mão, a surpresa que guardava para o encontro. Correu atender ao telefone. Um beijo no pai, na mãe, na irmã, um afago nos cães e saiu cantando.
No ônibus, absorta em sonhos.


De outro lado qualquer
Sempre atrasado, correu pro banho pra tirar aquele ranço de calor insuportável de correria. Vestiu-se apressadamente, mal prestando atenção ao que vestia. A mochila à espera, na cadeira, perto da porta. Conferiu rapidamente o conteúdo. Fez uma ligação e saiu apressadamente, antes que perdesse o próximo ônibus.


No meio do caminho, um shopping
Ele estaciona o carro e vai até o mercado, dentro do shopping. Pega o vinho, as taças, confirma que o saca-rolha está no bolso direito, paga e sai.
Ela entra displicentemente, com ar de quase distração. Dirige-se ao toalete, tranca a porta e troca de roupa. Meias de seda, vestido esvoaçante . Solta os cabelos, balança-os testando sua cadência. Na frente do espelho, uma maquiagem suave, quase imperceptível. Uma borrifada suave do pequeno frasco de perfume.
Enquanto isso, outro entra na pequena loja pra comprar filme para a máquina fotográfica e 4 pilhas médias. Paga e sai, esbaforido, quase correndo e, como sempre, atrasado, dirigindo-se ao local do encontro.


No meio da tarde, uma praça
Às quatro horas de uma tarde qualquer, uma praça qualquer no meio de uma cidade qualquer, no interior de um estado qualquer do sul. O sol torna-se ameno, a iluminação é um pré-lusco-fusco, ideal para efeitos especiais em fotografias. Mas eles só querem em preto e branco: fotos de arte!
O terceiro acomoda o pequeno aparelho de som sobre um banco de pedra. Coloca as pilhas, verifica o CD e liga em alto e bom som a música romântica, própria para a dança de casais apaixonados . Verifica a máquina, coloca o filme, faz um teste rápido no visor, pra que o enquadramento seja perfeito. Indica o melhor local e se posiciona pra começar o plic-plec das fotos.
O casal ainda se delicia com a visão um do outro, assim arrumados, parecendo de encomenda pra um grande baile qualquer. Os cheiros se misturam. Abraçam-se para a dança, refreando os desejos de toques e retoques nas peles e nos corpos. Afinal, só querem algumas fotos de uma tarde qualquer, num mês qualquer de outono, de um ano qualquer antes do fim de suas vidas, antes do ocaso ou do empalidecimento do amor.


No futuro, uma lembrança
Anoitece e os três brindam à uma tarde de valsinhas.
Os dois continuam apaixonados; o fotógrafo revelando fotos.
A vida ainda é um sonho inusitado.

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