Nós do interior — por tradição — somos mais suscetíveis a acreditar em coisas impossíveis. Difícil nesses tempos de globalização — por aqui isso já faz eco — é saber o que de fato é exagero ou verdade. O que se contava antes agora parece história da carochinha. Um amigo meu, homem de boa prosa e sapiência, sem razões para exageros deixou nosso pequeno povoado em polvorosa. Imaginem que ele veio do Rio de Janeiro dizendo que aí se trava uma guerra. Até aí nenhuma novidade, pois logo pensamos tratar-se da interminável guerra contra o crime organizado, e ele seria ridicularizado porque ninguém precisou viajar tão longe pra saber disso; bem sabido que essa é antiga. Mas o compadre disse que não com seu indefectível ar de superioridade, ar de quem tem dinheiro e viaja muito. “Essa daí já se perdeu há muito tempo”, ilustrou, “tô falando de outra mais atual contra um inimigo que se multiplica com a velocidade de invasores alienígenas em filmes de ficção”. Ai, ai, ai!, que todo mundo tremeu na roda que o ouvia. Ele silenciou, correu um olhar que detectou o nosso medo e saboreou-se com isso e com o domínio que tinha sobre a assistência, cofiou o fino bigodinho bem aparado — tradição nos homens da sua família de grandes proprietários rurais — e disparou: “Essa guerra é mais grave, é contra um mosquito, o mosquito da...” Não houve tempo para completar a frase, o riso foi geral. Um riso que rompeu as peias da tensão em quem ouvia extasiado as tétricas notícias sobre uma guerra que bem podia chegar até aqui. Houve até quem cutucasse discretamente com o cotovelo o amigo ao lado, como a dizer ‘conta outra que essa ninguém engole’.
Compadre Dantas voltou ao ataque: “Vocês desconfiam porque aqui nessa corrutela não existe sequer televisão. Elas falam disso o dia todo, vocês precisam ver. A todo instante ensinam como combater o mosquito da dengue, cuidando de acabar com os lugares que ele prefere, como as águas limpas e paradas. O governo tá convocando todo mundo pra combater o maléfico. Ele é até capaz de matar quando a dengue é hemorrágica”.
Novamente houve interesse na roda que o ouvia em pé à sombra de uma grande faveira, diante da venda do João Só. Eu mesmo pensei com meus botões, que falar isso de viva voz era motivo de riso geral, ‘ai, se tá brabo labutar contra as coisas grandes e bem visíveis, imagina só o problemão que é peitar nas bem pequenas’.
Compadre Dantas continuou falando ainda muito tempo com a loquacidade de rábula que não era, talvez pelo excesso de dinheiro que sempre teve e a necessidade de trabalhar que nunca houve. O semblante da assistência permaneceu carregado, e ele cuidou de não aliviá-lo nem um segundo, nem quando na horinha de ir embora, que o seu motorista já manobrava o carro para mais perto dele, com voz grave finalizou: “ A coisa no Rio tá preta meus amigos, imaginem vocês que até o Cristo Redentor dançou nessa; também ele contraiu a dengue. Foi grande a procissão dos que o acompanharam ao hospital para se medicar. Aquele homem grandão de braços abertos no meio de tanta gente lembrou-me os bonecos de Olinda no carnaval”. Disse isso mas ninguém riu — que o momento era de agonia —, nem eu que duvidei integralmente do final da história. Compadre Dantas chamou de lado João Só, meteu umas notas de dinheiro em sua mão, falou pra todo mundo que a bebida era por sua conta, entristecia-se por não poder ficar mais e escafedeu-se deixando os mosquitos zoando em nossa cabeça.
jjLeandro