JUSTIÇA EM ESTADO INTERESSANTE

     A distinta esposa do Urinácio estava grávida, com a barriga pela boca, mas, mesmo assim, num deixava a mania de gritar por justiça, qualquer que fosse a situação.

    Exemplo: se fosse comprar um tomate na feira e achasse caro, ela tascava uma justiça na cara do verdureiro de causar maior trupé, findando na maior pechincha, até grátis.

    Ou, se o eletricista da companhia fosse cortar a luz por atraso no pagamento, ela chutava o pau da barraca e armava o maior salseiro exigindo justiça. O bafafá era tão tremendo que o cara murchava o rabinho entre as pernas sem tomar nenhuma providência.

    Tudo que ela identificasse tramóia, sapecava lá: justiça! Arengueira medonha, já era famosa, conhecida já pelo apelido de dona Justiça, barraqueira da maior farofa.

    Urinácio mesmo se espremia de medo para não contrariar sua cônjuge à toa. Fazia de tudo para não contrariá-la.

    Um dia mesmo, na fila de espera do posto de saúde para acompanhamento do pré-natal, a doutora pediu licença e se levantou para ir ali quando foi interpelada por um grito exigente de justiça.

    — Calma, minha senhora, vou só na toalete.

    — É longe?

    — Não, não, é aqui mesmo, já volto.

    — Vai tirar água da rótula é?

    — É.

    — Ah, assim sim, senão boto a justiça no meio.

    —  Tá bem, tá bem.

    Brincasse não, o rebu era violento e findava com meio mundo de gente constrangido.

    Ao lado dela, seu Supusinário, meio que medroso mas não conteve a curiosidade e confabulou.

    — Ô, dona madama, com todo respeito, a senhora acredita na justiça do Brasil?

    — Não, num acredito, nunca vou acreditar e tenho raiva de quem acredite.

    — Mas a senhora nesse instantim, berrou por justiça.

    — Foi.

    — Sim...

    — Espie, só. O senhor acha que vou botar fé em coisa que tá toda infestada de maracutaia, cheia das macomunagem com bandido, aí, soltando nego safado, vendendo soltura cara, fazendo cinco deitado, um pé e quatro rodando com o dinheiro da nação e se assustentando com o compadrio deles, é?

    — Pois sim...

    — Ôxe, tá pensando que tô abiscoitada, é? Me diga, vá? Como é que se solta um cara de baralho daqueles do senador que mais parece um et de cinema espacial, hem?

    — Por isso mesmo tô perguntando se dona madama acredita na justiça brasileira.

    — O senhor espiou aquela da governadora da sarneada proibindo a bisbilhotagem num dinheiro suspeito de afanagem?

    — Sim, senhora.

    — O senhor, por um acauso, viu aquele deputado que foi denunciado por aquela comissão do senado como ladrão e assassino e um juiz botou ele de novo na assembléia como homem probo e bom?

    — Sim, pois é, por isso mesmo que pergunto...

    — Justiça que despeja família pobre só para atender um ricão que abandonou prédio e agora quer de volta só para brincar de aumentar o quinhão?

    — Isso mesmo!

    — Que expulsa pobres coitados de terra só para não magoar poderoso dono de terras?

    — Isso!

    — E quem é que faz as leis?

    — Os deputados e senadores!

    — Num levo fé nessa cambada.

    — E por que a senhora dona madama fica exigindo justiça o tempo todo?

    — Meu marido que tape lá as ouças, mas nem eu mesmo me sustento na frente de homem bonito e cheio das gaitas!

    — Ah!

     Todo mundo sabia que dona Justiça era protagonista de fidelíssima relação conjugal com o Urinácio, e que seu comentário final, não devia ser levado a sério, era mera zombaria, mero soltar de lorota fazendo concessão ao seu gênio de gasguita.

    — Ah!

Luiz Alberto Machado

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