Entrevisão ou intuição, há mais de três
décadas eu já detectava no linguajar cotidiano da família
do meu pai uma série de expressões e vocábulos tão
arcaicos que, em minhas consultas ao acervo do Real Gabinete de Leitura
Português, à rua Camões, no Rio de Janeiro, tive dificuldades
ou nem as encontrei em dicionários da língua portuguesa circulantes
no século XVII.
Entre estas palavras seculares do idioma de Gil Vicente usadas fluentemente
pelos meus familiares do lado paterno cito “trunfar a cara”, “mamparra”,
“pajear”, “candongar”, “cafuringa”, “te passo o couro”, “especular”, “ispicula”,
“do cu riscado”, “esprevitar” (ou espevitar) e outras não mais correntes
na fala diária das populações da zona da Mata mineira
entre os anos 50 e 60 do século XX.
Isto, para mim, era indício de prolongado isolamento durante
a história familiar dos meus Toledos. Será que eram cristãos-novos
no Brasil colonial (fugitivos de devassas eclesiásticas) ou sediciosos
emancipacionistas derrotados em Minas Gerais pelos soldados leais a El
Rey? Ou só herdeiros de legados e resquícios de mourarias
da língua portuguesa perdidos ou incrustados nos sertões
destes tristes e abrasivos Trópicos?
Enfim, dúvidas e mistérios recobrem o passado certamente
tão mourejado dos meus ancestrais.
Seja como for ou tenha sido (ou não) como aqui presumo ou ouso
aventar, acabo de tomar conhecimento do artigo/ ensaio A língua
dos Bandeirantes, escrito e publicado por Reinaldo José Lopes, às
páginas 20 e 21 do caderno Mais da Folha de S. Paulo (edição
de 10 de Março de 2002), sobre os estudos do filólogo Heitor
Megale (da Universidade de São Paulo) que parece insinuar ou reforçar
as hipóteses que suscitei há tanto tempo em conversas com
amigos e parentes. Isto me atiça e me instiga ainda mais. Leiam
o texto ao qual acabei de me referir: desmitificador e pré-revelador.
Caio numa cama tão bagunçada quanto aquela na qual se
espojava James Joyce e, com saudades de horizontes vislumbrados entre os
moirões/ pilares do alpendre da fazenda dos meus bisavós
Toledos, lá num morro além do Córrego dos Almeidas,
município de Piau (Minas Gerais) e do colchão de palha no
qual lá dormi algumas noites, cito um inesquecível fragmento
barroco da crônica do Triunfo Eucarístico de Simão
Ferreira Machado, escrita em 1733 em Villa- Rica do Ouro Preto: “Vinha
logo a Lua: trazia na cabeça hum turbante azul, bordado com estrellas
de perolas; rematado em huma nuvem cheya de estrellas de ouro, dentro da
qual sahia huma Lua cheya.”
E papai, quando eu era menino, me chamava de “cara de lua cheia”!...
José Luiz Dutra de Toledo