Crônica em estado Crônico 02 ou o causo dos caranguejos

    Parati é uma cidade histórica localizada no sul do Estado do Rio de Janeiro, um espécie de Ouro Preto do litoral, e que já foi um importante porto no início da colonização portuguesa, tem seus encantos e lendas, igrejas barrocas com riqueza e luxo, a Vila dos Remédios de Nossa Senhora de Paraty, nome pomposo, orgulhosa gente, cenário de muitos filmes e que por ironia não te cinema.

    Durante algum tempo no final dos anos 80 estive com Frequência na cidade, tínhamos alguns contratos de prestação de serviço na região. A primeira vez que estive em Paraty, vou escrever com y, ainda nos anos 70, melhor dizendo verão de 1976, acampamos na praia do centro, numa réstia de areia, bem perto ao Rio que desemboca ali na baía, uma reportagem de revista para adolescente nos chamou a atenção, foram fotos, depoimentos e especialmente a fama de ter meninas bonitas. Embarcamos na aventura, saindo de casa às cinco da mão, em fila indiana pela rua, e uma viagem bem atrapalhada, pulando de ônibus para trem, pegando barco em Mangaratiba, passando por Angra dos Reis, desconfiados da Usina em término de obras, voando panelas nas curvas da estrada de Santos, causa criando uma briga no ônibus. Arrumamos as barracas e sofremos o primeiro temporal, era só olhar para as montanhas e ver uma grossa nuvem de cumulus nimbus, e o espectro da chuva contra o verde da montanha. Tempos alegres, mas desistimos de Paraty no segundo dia debaixo de outro temporal que causou a queda da barraca e uma noite dormida entre um bando de vira-latas.

    Voltei a cidade por conta de compromissos profissionais nos anos 80, acabei conhecendo uma família, comecei a freqüentar a casa, acabei tendo um passageiro e secreto romance com a filha mais velha, um dia estávamos conversando animadamente na sala da humilde casa, quando o seu Ireneu, notório contador de causos contou essa história: Perto de Parati fica Cunha, que é uma cidade basicamente de agropecuária no Estado de São Paulo, bonita, com um relevo acidentado , muitas ladeiras no Centro, com um Hotel, uma Igreja, uma praça, tão comuns em cidades do interior. Pois bem, um daqueles vaqueiros um dia desceu pela estrada de chão que liga as duas cidades, e que graças a Deus não conseguiram asfaltar , pelo menos no trecho do Rio, o de São Paulo está asfaltado, o Rio foi embargado pelo IBAMA, mas vamos ao vaqueiro, desceu até Parati, e para comprar uns cacarecos, e a pinga muito famosa na região, ofereceram a ele uma corda de caranguejo, explicaram o jeito de preparar.

    O vaqueiro voltou para Cunha e colocou a corda em uma panela grande no fogão de lenha do sítio, aqueles fogões antigos e eficientes, a comida tem um sabor especial quando preparadas nestes fogões, talvez seja a delicadeza, a calma, sem essas velocidades tecnológicos que cria um sabor especial. Durante o preparo de vez em quando espetava os bichos, para verificar se estavam cozidos, passou uma hora, duas horas e tome lenha, e os bichos nada de amolecer, e tome mais fogo e lenha, e os bichos com a carcaça dura que nem pedra. O homem já nervoso, e xingando palavrões de vaqueiro, e amaldiçoando o vendedor, resolveu parar com a operação, esvaziou a panela recolheu os caranguejos, voltou a amarrar e quando amanheceu tomou rumo de volta para Parati, montado no cavalo com a corda de caranguejo refeita. Foi logo procurando o vendedor e quis o dinheiro de volta. Gritou: —  O rapaz se acha que sou palhaço, como é que você me vende uns bichos passados que não cozinham direito, foi um tempão de fogo e lenha e os bichos nada de amolecer, como é que vou comer esse negócio, trata de trocar esses bichos estragados por outros, não precisou terminar de falar para que um coro de risadas e pilhérias corresse o mercado. O mais triste é que não adiantou falar para o vaqueiro que ele estava fazendo tudo errado, o homem quis o dinheiro de volta e voltou danado da vida para Cunha, jurando por todos os santos que nunca mais voltaria aquela cidade de gente desonesta e sem respeito.

PS: A menina filha do seu Irineu casou com um cozinheiro, o vaqueiro nunca conheci e soube depois que assistindo a um jogo da seleção brasileira atirou na televisão para acertar o atacante do adversário, que partia em direção ao gol, os caranguejos o pessoal do mercado comeu sem reclamar tomando a famosa pinga de alambique de Paraty.

Flávio Machado

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