O "REAL"E O "VIRTUAL": FRONTEIRAS E INTERPESSOALIDADES
 
        Segundo o psicanalista Frank Philips (in: Psicanálise do desconhecido), “ninguém tem autoridade em Psicanálise porque ninguém sabe nada. Ninguém pode dizer o que é a realidade neste planeta. Não é possível. Então, se organizaram,desde o começo do nosso mundo humano, uma porção de autoridades, inclusive a dos Institutos de Psicanálise. E isso deixa a gente gradativamente querendo ser livre.” Que afirmação sensacional de liberdade!...

        A mente humana é um instrumento terrível e parece que sua engenhosidade corrobora várias teses do darwinismo social. Roupas de cama são utensílios erótico-oníricos e minha mãe roubou-me uma colcha com fundo vermelho-sangue toda estampada com alegres flores e de um tecido fresco e agradável. Tornou-se-me, assim, uma colcha inesquecível e irresgatável como o passado.

        A minha pele ficou repleta de tensão emocional. Uma pele em erupção como a de um crocodilo, de uma cobra ou como o dorso quitinoso de um escorpião. Se as pessoas ficarem grudadas não dará para um ver o outro. Por isto arrepio-me todo quando me vejo numa multidão anônima.

        Deploro, mas já vivenciei rivalidades invejosas. Os jovens matam-se com motocicletas, há guerras... É uma espécie de lei da natureza na qual um certo número de pessoas desaparece prematuramente. Manhattan concentra três mil dos oito mil psicanalistas do mundo contemporâneo! Quando todos chegam atrasados por causa de congestionamentos no trânsito de grandes e médias cidades, os vejo como crianças com dificuldades para andar e falar porque ainda não conseguem faze-lo. Provavelmente os orientais tenham se aproximado mais do universo não-sensorial e, assim, não invistam tanto em Psicanálise.

        Como as estrelas (só visíveis à noite), durante o dia não nos sintonizamos com os nossos sonhos (que não deixaram de existir, só não nos ficam nítidos e perceptíveis) e, talvez por isso gostamos tanto da penumbra, da escuridão, da sombra de uma árvore e evitamos nos defrontar com tudo o que existe de mentira na vida humana. Os nossos conceitos são pretensas evidências de nossas vidas psíquicas e os nossos preconceitos são as trevas mais estonteantes e enganadoras do espírito humano.

        Embora alguns psicanalistas proponham a suspensão reveladora das nossas insidiosas memórias e dos nossos escravizantes desejos, é no Oriente budista que mais se avançou nesta direção. E sem extirparem clitóris nem prepúcios, sem castrações e muito menos mutilações corporais. E sem conhecerem casamentos enquanto cerimônias sociais de santificação!... Não só os muçulmanos segregam suas mulheres e não só os gregos encerraram-nas em gineceus: até clubes londrinos só deixavam as mulheres entrarem pela porta dos fundos, nunca pela porta da frente! Exemplo: clubes como o Picadilly! No Império Romano e na Grécia Antiga, e até no Extremo Oriente, quando casavam-se, todas as mulheres sofriam o ritual do arrancamento (pelo qual eram arrancadas do lar paterno e passavam a serem obrigadas a se devotarem ao fogo sagrado e aos deuses do seu novo lar, submetendo-se inteiramente ao seu marido).

        Apesar de tudo isso, o psicanalista Frank Philips pensa que há mérito em poder fracassar. Como a Psicanálise até propõe abstinências ou que evitemos pretensões de memórias e desejos e questiona triunfalismos  e arrogâncias pessoais, tal tentativa de auto-conhecimento foi interditada e perseguida em todos os países  com regimes políticos totalitários (tanto nos países nazi-fascistas quanto nos que se denominavam “socialistas”). Quase sempre ou mesmo todas as nossas idealizações são tão autoritárias quanto as da conduta adolescente (idealizações e glorificações de artistas, esportistas e de “marginais” em suas vidas). Para muitos adolescentes essas figuras tornaram-se deuses, “autoridades absolutas”.

        Também valorizamos religiosamente e de forma moralista as partes superiores dos nossos corpos (nossas asas pulmonares, nossas cabeças, corações e seios) e passamos a considerar como sujas ou inferiores as regiões próximas ou que envolvam nossas genitálias e nossos pés (pés que tocam a poeira, a sujeira, a aspereza e fecundidade pútrida deste mundo).

        Tais constatações nos sugerem que, em cada um de nós, detectamos os mesmos conflitos que a história humana nos colocou através de todos os tempos. Os mais fracos são aqueles que só pensam em levar vantagens e acreditam que tudo só pode ser resolvido com dinheiro e manipulações. Com seus golpes tentam compensar suas desvantagens em relação aos outros. São seres remanescentes da insegurança barbárica e pré-histórica, situação na qual a autoridade só se afirmava através de uma ou de sucessivas lutas e vitórias com o emprego de força física ou de chantagens encurralantes. Por isso algumas vezes o presente se parece com o passado e até se confundem.  Ou, até atribuem “autoridade” ao “passado”, tradição inventada e repetida para sacralizá-lo.

        Vivemos há algum tempo conosco mesmo e nem por isso nos conhecemos tão bem. Espero que o que acabo de escrever lhe seja útil. Pelo menos um pouco.

José Luiz Dutra de Toledo

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