Amigos, engana-se quem pensa, radicalmente, que nosso país vive
mergulhado no que chamam de um mar de
lama, ou num piscinão de corrupção. Nada disso.
Ou, não apenas isso.
Em verdade vivemos mergulhados, também, e nem todos se apercebem
disso, num encapelado oceano de
mentiras, fantasias, hipocrisias e "sorrisos masturbados" (vide minha
poesia Excelência). Pode-se também
considerar que este é mesmo um "tempo de corvos" (título
de outra poesia minha). Desculpem a auto promoção,
mas as Editoras não divulgam poetas não consagrados,
então…
Eu estava escrevendo uma crônica repleta de humor tentando contar
o que seria a história do Brasil, sem a
CPMF. Parei, depois continuo. Agora um valor mais alto (R$5 bilhões
de reais) se levanta, ou se corta, e quero
pôr minha colher neste assunto. Refiro-me ao corte que o governo
está anunciando, em alguns programas, para
compensar a não aprovação, até o momento,
da famigerada CPMF.
Tomei um susto ao ouvir, pela TV, o sério Sr. Malan anunciar
que um dos cortes seria de R$1 bilhão de reais no
Fundo de Combate e Erradicação à Pobreza! Ué,
existe mesmo esse Fundo? Tem combatido tanto assim a
pobreza que dá até para se porem ao luxo de fazer um
corte daquele vulto nele?!
Bom, só falo em combate porque erradicação não
se faz apenas com verbas, mas com intenções e atitudes
realmente sérias e determinadas o que, convenhamos, só
tem estado mesmo nos discursos políticos, da situação,
claro. Aliás, esmola, quando oficial, não mata fome,
não cura doenças, só humilha ainda mais a pobreza.
Depois eles querem vencer as eleições. Não conseguem
enxergar, na hora de fazerem "cortes", outros alvos que
não o povo, aí incluídos os mais de 53 milhões
que sobrevivem com uma "renda" em torno de R$90,00. Fora os
milhões que vivem(?!) abaixo da linha da miséria. E este
quadro aterrador vem, cada ano, aumentando mais, não,
diminuindo.
Talvez por a tal verba do referido Fundo estar meio cheia de traças,
pois não a têm utilizado muito, pelo que
vemos das próprias estatísticas oficiais, eles tenham
preferido arrancá-la de lá e a jogar nos objetivos escusos
da
CPMF. Digo escusos, porque todos sabem que a CPMF foi criada para socorrer,
temporariamente, a Saúde
Pública, lembram disso? Este era o objetivo verdadeiro.
Lembram do sério e honrado ministro da Saúde, o Dr. Adib
Jatene? Pois é, ele acreditou que seus bons
propósitos seriam correspondidos pelas autoridades. Empenhou-se
na aprovação da maldita e depois acabou
sendo mordido pela cobra. Um profissional competente, probo, digno,
que acabou deixando o governo com a
decepção, o desapontamento como "prêmio".
Muito se fala, na imprensa, que a CPMF tem servido, em grande parte,
para cobrir o pagamento dos juros da
dívida externa. Provavelmente da interna também. A Saúde
Pública, se recebe algum da imensa arrecadação
daquele imposto, não deve estar dando nem para comprar esparadrapo
e gaze. Pelo menos é o que vemos do
quadro lamentável de abandono em que ela se encontra.
Hoje o governo grita, esbraveja que sem a CPMF as contas não
fecham, que sem ela o Brasil fica impossível de
ser administrado, ou governado. Meu Deus, fico imaginando como este
país conseguiu sobreviver quase 500
anos sem a CPMF!! Incrível, fantástico, extraordinário!!
E olhem que mesmo com a grande arrecadação que ela
proporciona, este governo conseguiu elevar a dívida interna
de uns 60 bilhões de reais, quando entrou, para
quase 700 bilhões de reais, agora.
E o líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP),
disse: "Tínhamos de cortar porque não podemos
gastar o que não temos; senão, viramos a Argentina"…
ora pois, vejam só a importância da CPMF. É a nossa
bóia de salvação. Menos entendo como vivemos sem
ela até há pouco. Que risco corremos!
Enquanto isso, o líder do PFL na Câmara, Inocêncio
Oliveira (PE), considerou um "absurdo" os referidos cortes.
Estava particularmente "revoltado" com o corte de R$ 1 bilhão
retirado do Fundo de Combate e Erradicação da
Pobreza. Engraçado esses políticos do PFL, apóiam
o governo em tudo, e por tudo, mas agora insistem em fazer
"beicinho", ainda fingindo estarem zangados, quando, no fundo, (que
não é o da pobreza) estão loucos da silva
para voltar ao colo de FHC.
Ainda estufou o peito e, subindo num pedestal de crítico e moralista,
sentenciou: "Fernando Henrique "é o rei da
lábia". Por isso mesmo não deveria dar aulas em Harvard
e na Sorbonne, mas para os encantadores de
serpentes da Índia". Não parece discurso de oposição?
Mas não é não. É só brincadeirinha.
Lembram do que
escrevi lá em cima sobre um oceano de mentiras, fantasias e
hipocrisias?
"Incisivo" foi mesmo o líder do PMDB na Câmara, Geddel
Vieira Lima (BA). No seu entender os cortes não são
para valer, mas uma forma de pressão para aprovarem a CPMF.
Aí soltou o verbo: "Teria significado, se o
governo tivesse a tradição de executar o Orçamento;
como isso é dinheiro que nunca será liberado, estão
cortando o vento". Também soa como crítica, não?
Ora, mas se o PMDB é um dos maiores aliados do governo?!
Durma-se com uns roncos desses.
O excelente jornalista Boris Casoy, âncora do jornal da TV-Record,
quase toda noite vocifera, algumas vezes
bem irritado, com a existência da CPMF. Concordo com ele. Ela
é realmente uma excrescência, é perversa,
iníqua e nem sequer obedece os objetivos para a qual foi criada.
Pior é que hoje nenhum candidato de oposição
quer abrir mão dela. Só nos faltava essa.
Nós, como povo, como eleitores, como assalariados, como correntistas
de Banco, somos espoliados por todos os
lados, de todas as formas, mas nem podemos chamar a polícia.
Afinal é o Estado que nos esfola. Chamar o
ladrão, como cantou Chico Buarque, hoje também fica difícil.
Os limites andam muito tênues para se definir com
segurança quem é quem. Então, como não
temos o sangue quente que corre pelas veias argentinas, em vez do
panelaço, damos os braços, e aceitamos o estupro, dançando
e cantando…"pega no ganzê…pega no ganzá…"
Francisco Simões
(maio/2002)