O homem da minha rua

        Impressiona como ,com tal aspecto desgrenhado, aquele homem possa criar a ilusão do "habitável" numa casa onde faltam os telhados.
        Na realidade, ele possui dois imóveis em escombros, residindo oficialmente em um deles. O que ainda possui telhado. Já obteve valiosas propostas por ambos, sempre repelindo agressivamente. O homem é "turrão" demais! Ele arruma a varandinha, traz comida pros gatinhos, costuma vir três vezes ao dia para dar essa impressão de "habitante". Aliás, costumava... de uns tempos pra cá , observei que espaçou demais suas vindas.
        Para ser franca, me tornei uma "voyeur". Do nono andar onde estou instalada, tudo observo.
        O inusitado da cena, de certa forma, exerce sobre mim um fascínio, há cinco anos. Desde o tempo que ele vivia com a mulher, que sofria de doença degenerativa, e andava em cadeira de rodas. Bem, ela já partiu "desta"para uma "melhor" e deve ter encontrado com a filha, que morreu muito jovem de doença semelhante (penso numa tal de herança genética).
        E ele ficou só.
        Voltando ao que me ocupava, ontem o encontrei lá na esquina. Magro, sem aquela energia antiga, fiquei a olhá-lo.
        Ele levantou o rosto, como se me perguntasse, "O que está olhando?" E nesse momento observei nele um cateter, que saía não sei de onde, e que ia não sei para onde...
        Plena quarta feira de cinzas, hora do almoço, olho para a sua casa e me surpreendo com o movimento de pessoas estranhas. Olham os jardins, as folhas murchas, as garrafas empilhadas pelo quintal, gatos miando...Falta ele. O personagem principal.
        Teria viajado e estendido o feriado de carnaval?
        !.

Belvedere

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