A Passadeira

            Zuleica é uma figura conhecida no calçadão da praia. Encontro-a diariamente e é um "relax" parar e ouvir suas narrativas, sempre recheadas de aventuras, mistérios e até um tiquinho de terror.
            Está sempre acompanhada por um de seus sete filhos. Bem, filhos mesmo, só o casal de gêmeos, André e Andréa, com sete anos. Os outros foram deixados à porta de seu barraco, por sua irmã mais velha, Ivanilda quando empreendeu sua fuga para a Paraíba com "o galego". Na sua sabedoria, Zuleica diz que tudo é "a mão de Deus" e que as crianças estavam mesmo destinadas a ela.
            Levou adiante seu exercício de sobrevivência, passando roupa pra fora. Revesa entre as madames do morro e as do calçadão, sendo que, com as últimas, ela consegue uns trocados melhores.
            Seu choque após o assassinato do marido numa boca de fumo foi grande, pois nada sabia sobre  sua atuação no mundo do tráfico.  E sem revolta, sem mágoas, sem reclamações vive e diz que é muito feliz. E bate no peito dizendo: "O sangue de Jesus tem poder."
            Diz ser uma crente assumida, de bíblia na mão e com plena certeza de um futuro ainda melhor para seus filhos.
            Lamenta só uma coisa: ter que mentir dizendo que os sete são seus filhos. Será mentira? Ela não os assumiu de fato? Por não os ter parido é menos mãe do que a que os abandonou? Sempre digo isso a ela, e parece que apaziguo seu coração.
            Considero Zuleica um exemplo. Se todos os corruptos, aproveitadores e ladrões de consciência tivessem a percepção e o senso de dignidade dela tudo seria mais palatável nesses dias indigestos que atravessamos.
            O cenário político anda efervescente. Vem-me uma idéia: procurar um partido, fazer sua filiação e lançar sua candidatura. Zuleica para...
            Você teria candidato melhor?

Belvedere

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