Os brasileiros estão contentes. E há razão para tanto: a seleção de futebol está nas quartas-de-final da Copa do Mundo. Andando pelas ruas e vendo na mídia as manifestações de arroubo da população, é lícito inferir o seguinte: a época do Mundial é quando os brasileiros exacerbadamente exercem a brasilidade. Têm orgulho de demonstrar a sua origem; o verde-amarelo tremula nas fachadas de prédios, nas roupas dos transeuntes, em fitilhos ou bandeirolas nos carros, nos muros e asfalto das cidades, em balões enfeitando lojas comerciais. Só de quatro em quatro anos nossas cores tradicionais sobrepõem-se às cores colonizadoras do Tio Sam, pois nesse momento o Brasil é o primeiro mundo.
Mas como os brasileiros são um tanto ressabiado e um laivo de complexo teima em permanecer latente, recorrem a uma outra faceta tipicamente brasileira como força auxiliar para a vitória: a religiosidade. O Brasil transforma-se repentinamente em uma nação papa-santos mais por oportunismo do que por convicção.
É grande o apelo que os torcedores fazem a forças empíreas para resolver os embaraços maiores. Começa esse apelo com as mãos postas em prece quase sempre com os joelhos genuflectidos. Se a parada é indigesta, se o osso é duro de roer, ou nossa equipe não inspira muita confiança, a imagem do santo devocional ao lado da tv ou do telão é conveniente. Em casos extremos há até a improvisação de um altar nada ortodoxo com balões, velas nas cores tradicionais da seleção, muito papel crepom e a imposição de que santo bom não periclita. As promessas são reservadas para o caso de nossa equipe ser finalista, podendo ser bem branda se o escrete canarinho estiver em ponto de bala e o adversário for uma ‘baba’ como se diz na gíria; ou então derrapar para a quase flagelação se o oponente incutir medo. As emissoras de televisão têm mostrado isso demais Brasil afora. Às vezes sem poder aquilatar qual santo é mais forte, uma legião deles é bem-vinda como uma equipe de um entrosamento soberbo.
Isso pelo menos é o que pensa o nosso fanático torcedor de futebol. E como futebol e religiosidade se regem mais pela emoção do que pela razão, em momentos dramáticos como os de uma Copa do Mundo não há como convencer o torcedor de que tal apelo é inócuo.
Fico pensando, buscando ser o mais racional possível, quanto trabalho dão às coortes celestes os torcedores do Brasil em particular e do mundo inteiro no geral. Nessa época o Céu deve deixar de ser um paraíso. Cada nação puxa pelo seu santo, e ai dele se não corresponder; como os conflitos se estabelecem quando as vontades são contraditórias, não há porque não acreditar que o Céu vive agora um clima conflituoso. Acredito portanto que Deus deve ser o único ente do Céu à terra que não está feliz com a Copa do Mundo. E deve ser verdade pois dizem os que nos ensinam que neste mundo — que também é uma bola — somos todos filhos Dele.
jjLeandro