Passei os dias lendo contos e crônicas do meu autor preferido no momento. No momento, porque a cada dia que se passa, os gostos mudam com as novas descobertas. E embora essa não seja nova, Rubem Alves é no momento, a minha mais preciosa descoberta.
Conversando com minha mãe, disse estar me sentindo "criança em Minas Gerais..." Explico o porquê... Ao abrir a primeira página do livro "O quarto do Mistério", há uma foto de um sobradão, daqueles coloniais. E no primeiro texto, Rubem fala de sua infância em Ouro Preto e São João Del Reis.
Mostrei a ela o casarão e disse que seria uma criança feliz em Minas Gerais. Não que eu não tenha sido uma, eu fui, e bem feliz. Na verdade, ainda sou. É que eu gostaria de ter passado minha infância por aquelas bandas.
Deve ter relação com o que chamo de "pensamentos-de-janela". Sabe o que são pensamentos-de-janela? São aqueles momentos de silêncio que temos, quando estamos olhando para o horizonte (ou seja, lá para onde for), ali, na nossa janela. Sempre acontece comigo. E como a minha janela, me proporciona a visão do mar, fica evidente que posso passar tranqüilamente horas e horas ali, pensando, sonhando...
Os pensamentos-de-janela-de-ônibus são os meus mais intensos. No ônibus quando você está só, ou seja, quando não conhece quem está a seu lado, ou quando não se tem um livro ou um walkman, você tem seus pensamentos. Ainda mais quando o ônibus é de viagem longa, longas de 70 km ou mais se possível. É lá que me realizo, e foi certamente nessas horas que em algum momento da minha vida, me imaginei criança, em Minas Gerais.
Curiosamente fui a Minas de ônibus, duas vezes, mas não tive muitos pensamentos-de-janela, porque conhecia, quem estava sentado ao meu lado. Mas nos momentos em que ele dormia, eu confesso que pensei olhando pela janela. E vi muitas estradas, muita mata, muita casa no pé do morro, algumas luzes acesas, vários momentos de lentidão. Vi também muito gado pastar. Impressionante como há gado pastando em viagens longas. E vi crianças em Minas Gerais. Vi sim, recordei agora... Foi bom vê-las, e inconscientemente todas essas rápidas passagens-de-estrada, acabaram formando o que eu me sinto agora: "Criança em Minas Gerais..."
Mas como seria essa criança? Eu não sei, eu nascei no Rio de Janeiro, e passei metade da infância lá e outra metade em São Paulo. O que não deixou de ser menos maravilhoso. Mas eu imagino que seja diferente, pois eu vejo um sítio, vejo os casarões, na minha infância. É infância de interior na verdade. O que eu não pude ter nem no rio e nem em São Paulo. É o que pode ser imaginado como infância de cidade de interior. Qualquer cidade de interior proporciona (ou proporcionou...) uma infância dessas. Mas no meu sonho de infância, tinha de ser em Minas Gerais...
Minha mãe que me conhece bem, inclusive conheceu a minha verdadeira infância, disse que na verdade, eu já quis ser criança em todos os lugares... Ela quis me tirar do sonho. E embora estivesse correta em suas palavras, continuei a sonhar, descendo e subindo ladeiras, sentindo a brisa ou o vento forte no rosto, sentando no banco da praça pedindo que o amanhã seja tão bonito quanto foi esse, porque no momento, eu sou criança... em Minas Gerais.
Simone Ribeiro