Era domingo. Meio-inverno. Mas,quente, muito quente. Como costumam ser
certos domingos de junho, no Nordeste.
Era de manhã, eu acho.Antes do almoço, com certeza.
Nem sempre a hora exata fica assinalada na mente da gente.
A casa tinha jardim e quintal. Coqueiro, panamás, avencas e
buganvílias num. Mangueiras e um pé-de-sapoti, noutro. E
três terraços. Um mínimo, à porta de entrada
da frente. Um médio, na porta lateral. E um imenso, atrás,
beirando o quintal.Era no médio que a emoção jorrava.
Dentro de casa, a mãe e as tias, que nem eram de verdade, agitavam-se
preparando o almoço. E cuidando das crianças, que eram muitas.
Umas dez. Vez em quando , chegavam até o terraço, o médio,
para espiar o que se passava.
O pai, com os tios, que eram amigos e não tios, bebia cerveja
e alternava exclamações e silêncios profundos. Reunidos
entre cigarros, tira-gostos e, — oh, glória!—,
o radinho de pilha azul-turquesa, que trouxera da América,como então
se dizia ao referir-se aos Estados Unidos. Da América, obviamente.
Pequena preciosidade inexistente na terra brasilis. Anos cinqüenta.
Meu coração parecia um cabrito-montês, de tanto
pulo que dava no peito. Sobressalto contínuo. Mãos frias.
Pé-ante-pé, me esgueirava pelo oitão florido,
próximo ao terraço, onde não era vista. Esgueirávamo-nos.
Que não estava só. E o coração batia mais rápido
ainda.
Não lembro de nada daquele junho, além deste dia. Nem
do meu aniversário que, hoje sei, acontecera pouco antes. Só
desse único e especial dia. Azul. De inverno.Quente.
A voz aos berros, no radinho de pilha, gritando gooooool! E a voz de
meu pai dizendo: vamos tomar champanhe quente! E minha mãe, que
odiava bebida, concordando, sem pestanejar. E todos falando ao mesmo tempo.
E rindo!
Quando pensei que houvesse acabado, a voz no radinho, de novo, berrou:
goooooooool!!! E todos beberam o tal champanhe.Abraçavam-se enquanto
derramavam a espuma pelo chão.E meu pai quase chorava de tanta alegria.
Então, criei coragem e fui até o terraço. Fomos.
Suados. Mãos frias. Coração batendo. Pulando. Tomar
o tal champanhe. Horrível, por sinal.
E todos se abraçavam e nos beijavam, quando o homem no radinho
, gritou: terminou! Brasil , campeão do mundo!
Era junho de 1958. Eu era apenas uma menininha tímida, atordoada
diante da vida. Mas lembro cada detalhe daquele domingo de inverno.
É, a primeira vez, a gente nunca esquece. A primeira final de
Copa do Mundo, também não.
Márcia Maia