Pela internet

Conheceram-se pela internet. Numa sala de chat. Ele andava meio cheio de tudo, família, trabalho, filhos.Ela há pouco comprara um computador e ainda deslumbrava-se com os mistérios da rede. Como acontece nesses casos, descobriram rapidamente uma infinidade de interesses comuns. E se aproximaram mais e mais. Já não havia um dia em que não conversassem.Checavam a caixa postal a cada hora. Mandavam-se pequenos mimos virtuais: cartões, flores, músicas, poemas. À noite, varavam a madrugada, no icq. E eram felizes. De uma felicidade virtual, mas ainda assim, felizes. Pegavam-se rindo sozinhos durante o trabalho, pensando no que tinha falado na noite anterior, no que diriam no próximo encontro.Os amigos de ambos notavam a mudança. Os dele, perguntavam se estava tendo um caso. Que tivesse cuidado para a patroa não descobrir. E quando ele explicava não ser nada daquilo, não acreditavam. No dia em que lhes falou dela, riram incrédulos e disseram-lhe que devia estar ficando maluco. Relacionamento virtual, onde já se viu! E riam. De modo que ele resolveu não mais contar-lhes nada. Deixar que acreditassem no tal caso. Os dela eram poucos, os amigos. E ela, por outro lado, preferia calar certos sentires. Não que houvesse de que envergonhar-se ou lhe fossem proibidos. Era uma mulher livre, dona de sua vida e de seu nariz, como se diz. Mas achava difícil encontrar as palavras certas que exprimissem tais sentires. E na falta delas, melhor guardá-los para si. E assim, seguiram escrevendo-se, conhecendo-se, apaixonando-se, mais e mais, a cada dia. Ambos estranhavam o grau de intimidade que haviam alcançado, o grau de confiança. Sobretudo ele. Que não era dado a falar de si. Um dia, surgiu a oportunidade que esperavam para conhecerem-se. Isto é, encontrarem-se pessoalmente. Ao vivo e a cores, como se diz nesses tempos pós-modernos. Ele teria uma reunião de trabalho numa cidade próxima à dela. Coisa de oitenta quilômetros. Lá ficaria por dois dias. Não cabia em si de contentamento. Combinaram de encontrar-se à noite, logo cedo, num bar perto do centro da cidadezinha onde ela morava. No caminho, ele imaginava cada detalhe. O que diria. Como a abraçaria. Que cheiro ela teria? E o coração parecia saltar-lhe dentro do peito.Ela hesitava entre a excitação e o medo extremos. Vestiu-se com esmero. De um jeito cuidadosamente descuidado. Não queria parecer ter-se preparado demais. Ansiosa demais. Pensava em como seria tê-lo tão perto. Tocá-lo. E tinha dúvidas se realmente queria que acontecesse. Chovia quando chegou ao bar combinado. Pela janela, o viu sentado à sua espera. Era belo! Mais que nas fotos que trocaram madrugada afora. Deteve-se ali, na chuva, olhando-o de longe. Uns dez ou quinze minutos. E não entrou. Voltou para o carro, para casa e para a sua vidinha de sempre. Com lágrimas nos olhos. E um aperto no peito. Ele esperou durante uma hora e meia. Por que ela não veio? perguntava-se ao dirigir de volta para o hotel. E um misto de vazio e alívio lhe invadia o peito. Dois dias depois, de volta para casa, encontraram-se novamente na internet. Ela disse-lhe que tivera um problema com a filha. Febre alta. Teve que levá-la ao hospital. Não pudera sair. Ele, por sua vez, disse-lhe que ainda bem que fora assim. Não que gostasse de a garota ter adoecido. Mas do fato de ela não ter podido ir a seu encontro. Porque a reunião entrara pela noite e ele não pudera sair. Tentara telefonar-lhe avisando, mas ninguém respondia. Riram juntos enquanto lamentavam as trapalhadas que o destino, porque só podia ser o destino, lhes havia aprontado naquela noite tão esperada. E seguiram encontrando-se dia-a-dia, noite afora, esperando que a vida real lhes desse uma nova chance. Enquanto amavam-se, completavam-se e eram felizes. Nesse mundo novo. Tão longe-tão perto. Pela internet.

Márcia Maia

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