Nas duas últimas décadas,
eu tenho idealizado um marido ideal em meus devaneios românticos,
nesses tantos anos de solidão e ostracismo.
Enquanto ele viajava muito
e eu quase nunca; acostumei-me a uma liberdade relativa, ressalvando-se
a promessa do nosso juramento no altar : fidelidade e confiança
mútua.
Já vivemos de tudo
um pouco... tivemos muito e também muito pouco; crises de ciúme
no começo, crises de ansiedade durante o tempo todo e por fim, crises
de indiferença marcaram tantos anos como casados e sempre distantes.
Costumávamos rir ao nos considerarmos amantes de fins de semana;
enquanto que eu zombava ser viúva de marido vivo mas ausente.
Morarmos juntos todos os
dias do ano, só atualmente. Agora ele não viaja tanto e eu
não tenho mais mil e um compromissos, principalmente os assumidos
da maternidade à paternidade - já que desempenhava os dois
papéis priorizando o lado familiar e profissional - em detrimento
do nosso relacionamento afetivo e amoroso.
Anos passados, o nosso permanente
conflito de idéias influiu muito nos meus valores pessoais. Mesmo
assim, entre nós dois permaneceu um elo indelével, assegurando
que jamais se rompesse o casamento, que vive um típico caso do século
XX - um puxando para um lado e o outro, medindo forças e,
puxando para o lado oposto. Entre tantos contrastes, saliento que:
Ele é o democrático
eu a autoritária; ele o mais desligado e, eu ligada demais;
ele é displicente eu disciplinada ao extremo; ele
é mais desleixado eu sou perfeccionista; ele é
o mais liberado eu sou complicada e ciumenta.
Ele gasta perdulariamente
eu invisto o que ganho e guardo para o dia seguinte; ele estoura
o orçamento eu fico sempre no prejuízo.
Ele fala muito fora de casa
e não conversa aqui dentro eu não converso quase nunca
e quero falar com ele, que chega sempre cansado e só quer dormir,
enquanto eu durmo muito pouco.
Ele perdoa facilmente
eu demoro para esquecer e superar. Ele se diverte fácil
eu não vejo graça em piadas de mau gosto; ele sempre me cutuca
e essa é a sua maneira de brincar e eu detesto ser cutucada.
Ele quer sair naquele dia
que eu quero ficar em casa eu quero sair quando ele se diz cansado e
quer ficar descansando... Ele diz que simplifica eu é que complico
tudo.
Ele fuma demais eu me
controlo e desejo parar; ele não vai ao médico e toma remédios
por conta própria eu sempre priorizei a saúde; enquanto
ele come demais eu vivo de regime; ele tem diabetes eu sou hipoglicêmica;
ele sofre com o colesterol alto eu desmaio com a pressão baixa.
Ele tem muitos amigos
eu não tenho nenhuma amiga e só acredito em companheirismo.
Ele não gosta de
dançar coisa que eu adoro! Ele não canta nunca eu vivo
cantando e compondo letras e músicas.
Quando vai a uma festa,
ele toma cerveja num canto qualquer eu é que me divirto muito,
sou bem extrovertida. Ele jamais entende o sentido de minhas poesias
e eu sou poeta; ele prefere a televisão eu gosto de ouvir músicas
românticas; ele é aficionado em noticiários eu só
curto boas novelas. Ele lê, muito mais do que escreve eu escrevo,
muito mais que leio.
Ele faz críticas
construtivas quando fala sobre meu modo de ser eu o agrido se me descontrolo
e me lamento, quando já não agüento mais. Enfim, é
ele o queridinho de todo mundo eu, a seu ver, a megera.
Ele adora ostentação
- eu me contento com a simplicidade; ele quer provar aos outros,
superioridade eu penso que já provei a mim mesma.
Ele é que mais me
ama eu é que não sei amar!
Eu já pedi divórcio
repetidas vezes - ele nunca admite que fracassou e não me dá
mesmo!
Eu enfraqueço diante
de seus argumentos - ele se altera diante dos meus; eu me defendo e o acuso,
aí ele se derrete e faz juras de fidelidade e amor sem fim...
Diante do paradoxo infinito
de nós dois, eu acabo sempre achando que mais uma vez
sou a errada - pois se ele é o único que
consegue conviver comigo e ainda dizer que gosta disso
tudo, que me adora porque sou assim tão complicada;
eu me convenço afinal e me rendo às evidências.
Finalmente eu acredito -
é ele sim, o marido ideal para mim!
Rose Faé