Chego ao banco com má vontade. Faz um calor do cão,
sei que vou enfrentar fila, mas preciso me recadastrar porque pode algum
espertalhão querer surrupiar do governo a minha opulenta aposentadoria
de professora, portanto tenho de provar que continuo viva. Se é
que alguém sai vivo do magistério, neste país.
O banco ferve. Atendentes bem-treinadas se esforçam
para ensinar umas senhorinhas idosas rústicas e pouco alfabetizadas
a usarem o caixa eletrônico, essa coisa magnífica que nunca
funciona quando mais se precisa dela. Uma das velhinhas insiste em
saber de onde vem a voz que fala sozinha ali dentro e não responde
aos apelos dos clientes... Por um segundo, a funcionária revira
os olhos e, a seguir, inicia a preleção esclarecedora, é
que isso é uma gravação, blá, blá, blá.
Eu rodo em círculos na fila, odeio esperar e sinto agonia
em bancos, acho tempo perdido, me irrito, e para me distrair fico prestando
atenção em tudo o que acontece em volta. Então,
percebo duas jovenzinhas que riem muito, enquanto escrevem alguma coisa
em formulários. As garotas usam calças jeans caindo
pelas tabelas, como pede a urgente moda atual, tops coloridos curtíssimos
e adereços diversos é uma juventude de ornamentos essa.
Percebo que elas confabulam, anotam algo nos papéis que
preenchem às gargalhadas, paqueram o office-boy saradão que
se encontra na minha frente, riem, escrevem, conversam... De repente,
discutem. A loira de farmácia reforça sua opinião
dando mostras de impaciência com a amiga japonesinha, assinalando
com o dedo em riste a dizer não, não, não. A
japonesinha argumenta, a loira olha em volta e, para minha alegria, ambas
me vêem ali estão salvas, devem crer, caminhando na minha
direção.
Com licença, diz educadinha a loira, a senhora poderia
me dar uma força aqui com esse formulário, estamos preenchendo
isso (dados pessoais) para trabalhar no banco... Tão novinhas, penso,
não deveriam estar na escola? E estão, esclarecem,
em breve vão concluir o ensino médio, mas... A senhora entende,
precisamos trabalhar para ajudar em casa, então, daria pra explicar...
Sim, pois não. A loira me exibe o formulário e a questão
da discórdia, veja aí, aí diz natural, natural
assim como? Eu olho para ela procurando adivinhar vestígios
de uma piada, uma brincadeira qualquer, gozação mesmo, mas
a jovem enruga a testa e vira os cantos da boca para baixo, ué...!
Natural como?!
Eu digo que o banco deseja saber se elas são mocinhas
naturais, dessas que comem sanduíches de cenoura, gostam de natureza,
de tomar banho de cachoeira, essas coisas. Em caso afirmativo, escrevam
sim. Que legal, então sim, claro, comemora a garota,
agradeço muito viu, e grita para a amiga, ó, coloque um sim
aí, pronto. Por instantes, penso em deixar tudo como está,
mas minha consciência me faz sentir pior que a madrasta da Cinderela,
de modo que chamo as duas bonitinhas e explico direito de que se trata.
Daí a loira faz uma careta malandra, hiii, acho que vamos ter de
responder de novo aquela questão sobre sexo...
Doca Ramos Mello