Romarinho acordou cêdo. Aliás nem dormiu direito. Levantou
da cama e saiu catando a camisa da seleção brasileira no
armário sem portas do quarto que compartilhava com mais cinco irmãos.
Encontrou a camisa gasta e um pouco apertada. Ele havia crescido um pouco
no último ano. Olhou com admiração o número
onze nas costas. O apelido de Romarinho vinha da sua semelhança
física com o grande jogador, o número na camisa já
era conseqüência. Naquela manhã quente de primavera iria
jogar o jogo da sua vida. O time infantil da Favela do Rato Molhado ia
enfrentar o time do Condomínio Flores Silvestres da Barra da Tijuca
na abertura do Torneio do Aterro do Flamengo. Apanhou o calção
largo, que pertencia ao irmão mais velho e saiu de casa sem tomar
café. Que café?
No Aterro Romarinho olhou o time adversário. Pareciam Ter o
dobro do tamanho da turma da favela. Técnico, preparador físico,
uniforme impecável e, acreditem se quiser, lindas chuteiras. Iguais
aquelas que o Ronaldinho usava no anúncio de televisão. Sentiu
uma ponta de inveja, mas logo esqueceu. Olhou para o seu time. Todos descalços.
Zé Meleca, magro que nem um gafanhoto, acendia um cigarro e todos
aproveitavam para dar também uma tragada. Romarinho rejeitou a gentileza.
Jogador de futebol não fumava. Olhou para o lado do Flores Silvestres
e estavam todos fazendo alongamento enquanto tomavam uma garrafa de suco
de laranja. Uma garrafa para cada um! Era melhor segurar o calção
que insistia em cair. O juiz já apitava chamando os times para o
início do jogo.
A Favela do Rato Molhado resistiu bravamente. Os dois zagueiros adversários
eram gêmeos, gordos, com as bochechas rosadas, e tinham o dobro do
tamanho de Romarinho, mas o primeiro tempo terminou zero a zero. Enquanto
o time do Flores Silvestres era massageado pelo preparador físico,
entre um gole e outro de suco, o pessoal da Favela do Rato Molhado procurava
uma bica no Aterro para matar a sede.
Lá pelo meio do segundo tempo, Bodinho enfiou uma bola para
Romarinho que partiu para o gol. De repente sentiu alguma coisa escorregando
pelas pernas. Era o maldito calção. Caiu estatelado no chão
enquanto a bola ia mansamente para as mãos do goleiro adversário.
Olhou para cima e viu os dois zagueiros gordos apontando para a sua cueca
furada. Riam desbragadamente. Romarinho tentou amarrar o calção,
mas o cordão tinha rebentado. Ficou com raiva. Logo no jogo da sua
vida. Tirou o calção e voltou de cuecas. Estava morrendo
de raiva. O seu time, sem alimentação, ninguém tinha
tomado café da manhã, já estava no bagaço.
O juiz, porém, foi duro. Mandou que saísse do campo. Só
podia jogar de calção. Um mendigo que estava assistindo o
jogo se condoeu da sua situação e emprestou uma corda que
usava para amarrar um dos seus cachorros. O jogo já estava acabando.
Zé Meleca chutou para frente para se livrar do perigo. Romarinho
recebeu a bola de frente para os dois zagueiros. Se lembrou do Galvão
Bueno gritando na Copa do Mundo: Vai baixinho! Passou o pé sobre
a bola, fingiu que ia por um lado e puxou para o outro. Os dois gordos
se esbarraram e caíram estatelados no chão. Romarinho partiu
para o gol livre. Com a mão esquerda segurou o calção
para não correr riscos. Ainda se deu ao luxo de driblar o goleiro.
Neste momento soltou tudo. Entrou no gol de cueca furada.
Emerson Rios