SOBRE O BRASIL

Recebo e-mail que diz:  "Se queremos Lula no poder não podemos descansar até o dia 26... e  com carinho convençamos a votar..."
Gostei do "com carinho".
Tenho diante de mim, na TV, um vídeo em que Seiji Ozawa,  aluno de Eleazar de Carvalho, conduz na Boston Symphony Orchestra a  Primeira Sinfonia de Brahms.
É a mesma orquestra onde (em Tanglewood) o nosso Eleazar de Carvalho,  falecido no dia 12 de setembro de 1996, aprendeu a reger com seu  professor Serge Koussevitzky, aluno de Tchaikowsky.
Leonard Bernstein também lá estudava.
Eleazar, que nasceu no Ceará, no sertão de  Iguatu, sucedeu a
Koussevitzky na cátedra, passando Bernstein para trás.
Penso que eleição é a grande festa.
A grande vitória da Democracia é a possibilidade de alternância do  poder.
É saber: "eu faço".
Nesta hora, neste dia, somos os sujeitos autores da História.
O voto é uma revolução.  Tem o poder de mudar a classe dominante administrativa de um país.
De muita gente boa Eleazar foi professor, como do próprio Ozawa,
Zubin Meta, Cláudio Abbado, Charles Dutoit...
Foi marinheiro, onde fazia parte da Banda dos Fuzileiros Navais.
Veio para a Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro, quando  compôs duas óperas: "O Descobrimento do Brasil" e "Tiradentes", que  nunca ouvi.
Doutorou-se em música pela Washington University e em humanística  pela Hofstra University; professor de regência na famosa Juilliard  School e na Yale University; Diretor e Regente da Sinfônica de Saint  Louis; professor Emérito da Universidade de Yale e ganhador da  medalha Mahler por ter regido as nove sinfonias. Regeu as maiores  orquestras do mundo, a Orquestra de Boston, a Filarmônica de Viena,  Filarmônica de Israel, Filarmônica de Berlim, Sinfônica de Chicago, a  Sinfônica de Boston, Filarmônica de Nova York, Sinfônica de São
Francisco e as importantes orquestras da França, Bélgica e Itália.
Um canal de TV recentemente falava do "circo das eleições".
Foi um insulto à Democracia. Ao País. Como se o Brasil fosse uma  farsa.
O Brasil não é uma farsa: O pensamento ingênuo e popular que  diz "político é tudo igual" é profundamente fascista.
A Democracia é o Congresso. Respeita o País.
Quem viveu a juventude sob a ditadura militar sabe.
Democracia pressupõe civilização.
O ser político, o viver na pólis, "significa que tudo deve ser  decidido mediante palavras e persuasão, e não através da força ou  violência", diz Hanna Arendt.
Através do discurso político, do voto.
Para os gregos, forçar alguém mediante a violência, ordenar ao invés  de persuadir, eram modos pré-políticos de lidar com as pessoas,  típicos da vida fora da pólis.
Era atitude bárbara.
A Democracia Brasileira é muito frágil.
Se olharmos para trás, para a nossa História, veremos que, nós,  brasileiros, a conquistamos há muito pouco tempo.
Fiquei feliz quando o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter  ganhou nesta sexta-feira o prêmio Nobel da Paz.
Ele é um campeão da luta pelos direitos humanos.
No Brasil, Carter foi destratado pelo ditador. Mas creio que foi um  dos responsáveis pelo desmonte da ditadura militar.
No mesmo dia, o escritor Imre Kertész tornou-se o primeiro húngaro a  ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, por uma obra que, segundo a  Academia Sueca, "eleva a experiência frágil do indivíduo contra o  arbítrio bárbaro da História";.
Kertész esteve nos campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald.
Lá, lá não se votava. Nem se escreviam crônicas como esta.
Por tudo isso gostei da expressão "com carinho".
Vou votar com carinho.
Vou.

Rogel Samuel