Não há quem, em são juízo, possa imaginar, a essa altura, às vésperas da eleição, outro resultado nas urnas a não ser uma estrondosa vitória de Lula. Caso assim não suceda, vai "cheirar mal", colocando em suspeita a licitude do pleito.
Fernando Henrique sabe disso. Sabem-no igualmente Serra, a medrosa Regina Duarte e até o marqueteiro do candidato tucano, que já deu entrevista, usando uma camisa vermelha, e hoje aparecia na TV com outra em tom rosa. Trata-se de um exemplo de lapso, que Freud adoraria ter incluído em sua obra. Traído pelo inconsciente, o marqueteiro serrista, aliás useiro e vezeiro na apropriação de símbolos alheios, parecia até querer demonstrar a veracidade daquela propaganda petista que termina dizendo "você pode não saber, mas no fundo você também é um pouco PT".
O marqueteiro falou claramente que espera um "milagre". Bom, "milagres" acontecem, todavia, são episódios notavelmente raros e improváveis, razão pela qual, aliás, recebem esse nome. Portanto, declarar que se espera pela ocorrência de tão inusual evento, equivale a uma confissão de derrota. Salvo, se existe alguma maquinação oculta, para incrementar os poderes do cajado do santo. Por sinal, que santo gostaria de ver seu nome envolvido numa maracutaia dessas, isto é, cooperar para a escolha de Barrabás? Como diria a gente simples, "é ruim". Sim, é ruim, é fria, é péssimo. Uma "furada", como vaticinariam os jovens da geração deste escriba. Qual é? Santo que se preza, também quer garantir o seu eleitorado.
No mais, tudo colabora para que o tucanato role serra abaixo. Na cidade do Rio de Janeiro, não se vê um mísero adesivo do pretendente governista. Seus adeptos, se existem, coerentes com a proposta do projeto de campanha de seu candidato, ou seja, a instalação de um Estado regido pelo medo, escondem-se nos fundos de seus quartos, nos quais ficam a ruminar cobras e lagartos.
Até o justamente comemorado septuagésimo aniversário do desenhista e escritor Ziraldo veio contribuir nesta hora, como se fora uma delicada forma de pacto com o destino. Ele, que ao longo da vida tem utilizado a sua arte contra a opressão e em favor do nosso País.
Um brinde. Um brinde ao Ziraldo. Um brinde aos 1.700 artistas que se reuniram no Canecão, em torno do nome de Lula. Um brinde a Marisa Letícia, esposa do futuro Presidente, pela coragem, pela beleza, pelo comportamento digno, irrepreensível. Um brinde a Leonardo Boff, pelas explanações lúcidas. Um brinde, enfim, a todos que de algum modo contribuíram para o desfecho positivo.
A vitória é essa. A vitória é agora. "Mas, Alfaya, e o debate de hoje?". Debate? Que debate? O jogo já terminou, desde a entrevista de Lula na TV Bandeirantes. Ali ficou claro quem é o candidato do amor e da razão; e quem, o representante do autoritarismo e do medo irracional. "Milagres", como admitimos, acontecem. Mas qual santo estará disposto a mais uma vez repetir o inglório papel de Judas?
Ricardo Alfaya
25/10/2002