Acordei achando que aquele seria um dia como um outro qualquer.
Estava enganado. Percebi que mais uma vez ele estaria presente em nossas
vidas de forma insistente, durante todo o tempo.
Logo cedo, ao assistir o jornal na televisão, ele já dava
mostra do que havia feito no dia anterior, e aparecia na manchete que o
apresentador, em tom quase fúnebre anunciava:- “Mercado nervoso
faz dólar fechar em alta no dia de ontem...”.
Seguindo a rotina diária e saboreando o meu capuccino light, ao
começar a ler as noticias da primeira página do jornal, lá
estava ele novamente, retratado em letras garrafais: - “Mercado tenso faz
o risco país subir acima dos 2.000 pontos”.
Termino o meu café e vou para o trabalho, e no caminho, escutando
as noticias pelo rádio, quem estava lá de novo, presente
na voz do locutor ? Ele mesmo, o famigerado Mercado,
em sua perseguição diária à multidão
de iludidos que como eu julga conhecer algo desse exercício de futurologia
chamado Economia. A frase dita com um certo desalento anunciava:
“- Segundo os analistas, a falta de atitude dos candidatos da oposição
à Presidência da República tem causado instabilidade
no Mercado”
No horário do almoço percebo que aumentou o preço
do quilo no Sef Service e resolvo comentar o fato com o dono do restaurante,
que está no caixa. E o que ouço ? “ - Não tive outra
alternativa ! A culpa é do Mercado ..”
No intervalo da tarde, deixo o escritório e vou comer um sanduíche
natural no trailer da esquina que, é claro, prá variar estava
mais caro. Minha
indagação foi espontânea : “ - Mas como pode ?”. E
já arrependido de ter perguntado, escuto, em meio ao barulho dos
carros e do forte cheiro de ovo frito na chapa, a voz do rapaz que fazia
os sanduíches :”- Sabe como é , né doutor ... O Mercado
pressiona e o preço do trigo sobe. O trigo subindo, faz subir
também o preço do pãozinho ...e aí não
tem jeito. A solução é aumentar o preço do
sanduíche ...aceita maionese e catchup?”. E eu fico refletindo,
enquanto mordisco o beirute vegetariano, que se cada brasileiro é
um técnico de futebol, sinto que ultimamente eles também
estão se especializando em análise de Mercado.
Mas ... que sujeito poderoso é esse chamado Mercado. Ele está
em todos os noticiários de rádio, TV e jornais . Entra todos
os dias em nossas casas sem pedir licença e, como um ladrão,
rouba nossa paz, nossa fé , nossa esperança. Em função
da sua atuação, a soberania de um país e a dignidade
de um povo são ameaçadas e destruídas.
O seu humor, que por sinal é bastante instável, provoca
quedas nas bolsas, subida na cotação da moeda americana e
conseqüente desvalorização da moeda nacional, disparada
do risco país no Mercado internacional que, aliás, é
o primogênito da família.
Que criatura é essa, que tem como estimulante do apetite o aroma
da especulação ? Que saudades daquele tempo, lá
no interior das Minas Gerais em que para abrir o apetite bastava apenas
uma pimenta de cheiro.
Será que ele é um dragão ? Ou quem sabe um EBE
(Entidade Biológica Extraterrestre) ? Refletindo sobre o assunto,
acho que ele não é nem um, nem outro.
Pode até parecer um dragão, pois todos falam nele e de suas
proezas destruidoras, principalmente aquela que lhe é particularmente
prazerosa , qual seja a de queimar no fogo da sua ambição
o sonho de milhões de pessoas que somente pretendiam viver dignamente.
Mas, se fosse um dragão, existiriam governos e pessoas que provavelmente
estariam dispostos a derrota-lo e isso, sinceramente, eu nunca vi ou ouvi
falar.
Ao contrário, existe até uma minoria que o protege com um
anonimato semelhante àquele da cabeça de bacalhau que todo
mundo sabe que existe mas ninguém nunca viu. Nessas horas,
me dá saudade de um quadro que ficava pendurado na parede da casa
da minha querida avó. Era São Jorge Guerreiro lutando e vencendo
o dragão. Ah! São Jorge, escutai a nossa prece.
Um EBE ? Também não ! Pois se os extras fossem o Mercado
teriam todas as suas características nefastas, como a mentira, a
desigualdade social, o estímulo à desesperança, a
ilusão do ganho especulativo, o fomento lucrativo das guerras, a
indiferença conveniente à fome no mundo, ou seja, com tudo
isso, muito provavelmente já teriam se destruído e hoje não
voariam por aí em seus discos voadores. Pensando bem, até
que não seria má idéia se pedíssemos auxílio
aos nossos irmãos das estrelas para combater essa eminência
parda.
No entanto, na hipótese deles aceitarem, haveria um grave problema.
Muito provavelmente ele nos perguntariam : “Quem é o Mercado
?”. Bem ... aí então seriamos forçados a confessar
que já não sabemos mais quem é ele. Por mais que os
nossos brilhantes economistas, diretores de fundos monetários internacionais,
presidentes de bancos centrais, ministros da fazenda e até os analistas
de Mercado, tentem defini-lo como apenas um conceito criado para facilitar
o entendimento das leis que regem o combalido sistema financeiro internacional,
já faz tempo que Mr. Mercado saiu do papel e dos tratados de economia,
e se tornou uma entidade viva, com vida própria, independente.
Agindo como um vampiro que se esconde durante o dia e que a noite ataca
sem misericórdia as suas vitimas, Mr. Mercado se alojou, facilitado
por seus progenitores, em nosso próprio inconsciente, estando presente
nas mínimas coisas do nosso dia a dia. Esperando o momento propício,
durante as noites tenebrosas do egoísmo e da insensatez humana,
ele age de forma contundente, buscando minar o pouco que resta em nós
do sentimento de humanidade que ainda nos distingue dos animais.
Haverá alguma forma de escaparmos a essa escravidão mercadológica
à qual estamos submetidos, antes que desapareçamos enquanto
espécie humana ?
Bem ... no Universo as possibilidades de resolução de um
problema são infinitas.
Mas dentro de mim, sinto que uma fórmula simples, segura e infalível
para escaparmos desse labirinto nefasto chamado Mercado, no qual nos deixamos
enredar, foi dada há dois mil anos atrás , na paisagem agreste
da Galiléia, em meio ao chilrear dos rouxinóis e ao aroma
das tamareiras em flor, quando uma Voz inesquecível nos disse: “Façais
aos outros, aquilo que gostaríeis que vos fizessem....”
Emmanuel Chácara Sales