Se um homem é esperto, diz-se que ele é uma raposa. Se forte, o leão é seu melhor retrato. Manso é um cordeiro. Paciente, o boi lhe empresta o adjetivo ruminoso e lerdo. A barata, coitada, resistente como só ela sabe ser às metamorfoses e até mesmo às explosões atômicas, designa as pessoas falsas e escamosas. Da mesma forma que o rato serve para identificar os ladrões de colarinho branco e os larápios sem qualificação alguma. Mas existem também os animaizinhos eleitos, inspiradores de adjetivos levíssimos e transparentes. É o caso, por exemplo, dos beija-flores e dos pirilampos. As garças, com sua brancura invejável, bem que poderiam simbolizar a pureza esvoaçante e geométrica sobre a lagoa tranquila e solitária. Até mesmo o macaco, animal de garatujas imprevistas, empresta suas molequices aos negócios publicitários, aos homens menos herméticos e elegantemente corretos. Exemplo de comportamento político pode-se encontrar, talvez, no coelho. E não sei bem porque a anta representa aqueles seres humanos, considerados de inteligência curta, isto claro, sem nenhum prejuízo para os brios do burro e do jumento. Os faladores têm no papagaio e na maritaca um espelho fiel. A lista seria infinita se, finita não fosse a inteligência humana, apesar de toda sua empáfia e impostura. E como parece impossível chegar ao final de tão longa lista de analogias, coloco um ponto final nestas especulações pseudofilosóficas. Antes considero que a vaidade do homem nasce exatamente de sua brilhante capacidade, ainda que limitada, de nomear as coisas e os seres todos da terra e do céu. Todos os bichinhos adoráveis que andam, voam, nadam ou se arrastam por este imenso território de sem deus. E por que não de certas espécies em extinção. A presunção humana é tanta que não satisfeito em nomear, faz deste dom, fonte de poder, exploração e destruição. Foi nomeando que ele criou a filosofia, a arte, a ciência e a técnica. Criou, por fim, o labirinto abissal que prende o ser humano, vítima da armadilha que ele mesmo inventou. Incapaz de conhecer, de fato, o mundo onde vive, de comunicar-se consigo mesmo e com seus semelhantes, o homem atira-se ao jogo da destruição do planeta onde vive. Nisto em nada assemelha aos seus irmãozinhos da floresta, nem aos índios, nem aos animais. E enquanto não encontra a linguagem clara, capaz de estabelecer o entendimento e a paz entre os seres da Terra, vai tentando novas formas de criar e reinventar este mundo, agora, mera representação, vaga sombra. Catedral imaginária. Pirâmide. Esfinge invisível no vértice do tempo. Enquanto não acontece um novo milagre de Babel, tento terminar este texto, ou melhor este contexto, colocando um ponto final nesta solidão de bípede cansado de tanta cultura e descivilização. E é aqui que o bode berra ou se o leitor preferir, que a onça bebe água. De minha parte, se fosse possível, gostaria de, neste momento, transformar-me em um jacaré pantaneiro ou num tigre de Bengala para, no fundo de minha animalidade mais radical, recuperar a linguagem original, o que de mais importante herdamos de nossos ancestrais. Enquanto não atinjo este limite, vou desescrevendo signos amorosos, recriando a ilusão da metáfora, causa de todo nosso mal e de nosso bem. Amém. É isto aí, bicho!
João Evangelista Rodrigues