Ônibus em movimento, dia cinzento, e eu de bloquinho em punho
escrevendo o que me vem à cabeça. Palavras desconexas, algumas
observações pessoais, um início de conto e por vezes
até um versinho trôpego. Maldito ônibus que sacoleja
irreverente driblando carros, pedestres e outras viaturas, fazendo-me pensar
que minha cabeça vai se desprender do pescoço. Ruas cheias,
em efervescência. Dezenas de pessoas, os tipos mais diferentes, desfilam
na passarela da minha visão. E eu, mergulhada de cabeça nessa
fúria arrebatadora de escrever, passo a notar àqueles que
me rodeiam como se quisesse extrair-lhes à força o pensamento
ou guardar na memória suas fisionomias, para descrevê-los
depois.
Como é interessante olhar para alguém no sentido de examiná-lo,
de senti-lo. Por mínimas nuances de sua fisionomia pode-se perceber
a preocupação e até mesmo o sofrimento. É o
rapazinho sentado a meu lado, cabeça baixa, mãos nos cabelos,
pensativo, mas sem dúvida, atormentado. Será viciado em drogas?
Terá roubado alguma coisa? Do outro lado da fila dos bancos o indivíduo
mal vestido, pobre, balançando a cabeça, adormecido, talvez
por excesso de trabalho. As estudantes risonhas que adentram no ônibus
em algazarra, todas em comum exibindo seus brincos de pingentes e a enrolar
os longos cabelos para frente, tão belas, ou senão fazendo
um coque descuidado.
Há os velhinhos, em sua maioria simpáticos, entrando
pela frente envergonhados, ao contrário da juventude que o faz de
forma ousada e arrogante. Como o tempo muda as pessoas. Encantadora a senhora
de idade, bem vestida e penteada, sentada no banco isolado bem próxima
ao motorista. Deve ter sido muito linda no passado e mantém, além
dos vestígios de beleza, os gestos de grande dama. Pergunto-me intimamente
se terá sido uma artista e consigo imaginá-la, no presente,
cercada por netos aos quais conta histórias fascinantes de seu tempo
de teatro. Há, também, o senhor idoso, com aparência
de esportista que faz questão cerrada de recusar o assento que lhe
é oferecido por uma mocinha. Esta, vestida em floreado, carrega
bolsa e pasta, além da aliança de casada. Sinto-a como um
peixe fora d’água, mais parece-me uma pessoa humilde que à
duras penas foi alçada a uma função superior e que,
sem dúvida, procura dar o seu melhor.
Mais uma freada e quase caio do banco. Surpreendo-me com a quantidade
de pessoas descendo e só então reconheço que cheguei
ao meu destino. Levanto-me às pressas xingando interiormente essa
minha arte contemplativa e implorando que o motorista me poupe de mais
uma freada.
Consigo descer envolta nessa aura de pensamentos. Não ando.
Levito. E na mente a trabalhar, incansável, já se delineiam
personagens para meu próximo texto.
Danna D.