Caminhando pelas ruas de Londres, maravilhosamente livres e seguras,
percebo que o desprezo sentimental, ao invés de dar leveza e beleza
às pessoas, leva-as a uma vida de insignificâncias, a uma
desilusão suicida, a uma vasta letargia. Nada provoca fogos de artifícios
no céus como nos velhos clássicos românticos de Hollywood.
Nem dois sem-teto (homeless) de corpos leitosos, na estação
do metrô de South Kensington, provocando todos que passam em pleno
ato sexual, como dois moluscos lentos e gosmentos. Nem duas bizarras punks
beijando-se sem temor numa tradicional cabine telefônica de Piccadily
Circus.
A noite ainda não começou. Sou um escritor num mundo
amestrado para uma ideologia anti-sentimental. Na vida do tudo é
permitido, só há lugar para experiências no campo sexual.
Há muito que a ternura foi assassinada, não deixando nenhum
perfume, nem qualquer recordação bucólica. Restou
o desejo metamorfoseado num vazio de necessidade e de imaginação.
Um exacerbado descontrole da vitalidade coletiva que leva-nos a uma espécie
de sonambulismo. As pessoas são coisas, nada mais. O que significa
que agem em nome de um ritual abundante e supérfluo. Do amor, nem
nostalgia. Afinal o amor é uma velha canção de Nina
Simone ou poemas irradiantes de W. H. Auden. Mas não é aguardado
seriamente pelos neuróticos ou pelos conformistas.
Não é de bom tom acreditar no amor, o código de
felicidade é a indiferença, o esquecimento, os beijos sem
nome. É um processo universal absolutamente rotineiro. Os rostos
amados da noite de ontem se perdem no nevoeiro da frivolidade. Nos adaptamos
a esta nova forma de trocar carícias, seja por não querermos
nos dar conta da força do coração, seja pela absoluta
aceitação da infelicidade.
Discutido sobre o estupendo filme Felizes Juntos, de Wong Kar-Wai,
um conhecido encerrou o assunto afirmando: “Esteticamente é perfeito.
O que não gosto é da densidade das personagens. Não
sei o que é isso, parece-me descaradamente artificial”. Calei-me
para não gargalhar levianamente. Cinco minutos depois, ele convidou-me
para uma orgia em Hampstead.
Nessa ausência de preconceitos, o jogo é desagradável
e obsessivo, sexófobo. Todos são parecidos: belos, jovens
e inexpressivos, olhos embaciados, aterrorizantes em sua alegria exagerada.
Mas para onde vamos com essa insatisfação disfarçada?
Que significa a vida e suas inquietações? Fecho os olhos.
Sou uma aparição. Não existo.
Tenho que parar com essa mania de observar atentamente os costumes
e os rostos humanos. Não seria mais sábio silenciar a alma
e aceitar docilmente os dias e as noites desta primavera de desejos inventados?
Antonio Júnior
Londres (1998)