Todos os domingos mergulho num tédio existencialista. Não quero conversas, cismo com o telefone e ouço jazz de forma ausente. Praias e bares nem pensar, prefiro balançar-me na rede ou ler Sartre: “Ser livre é correr o perpétuo risco de ver suas ações fracassarem e a morte destruir o projeto”. É uma obediência cega aos caprichos do coração e aos encantos da solidão, que na verdade, transformam-se em desencantos. Sempre aos domingos estou etéreo, mesmo quando uma leve chuva refresca o dia quente. Ronda um sentimento metafísico. Em São Paulo pegava o metrô, sem destino, durante horas. Em Madri, rodava pelo imenso parque do El Retiro, até encontrar trilhas sem a presença humana. Gostava dos domingos de Sintra, caminhando pela flora exuberante dos jardins do palácio da Penha. Eu e o canto dos pássaros, o zumbido de abelhas e um livro de poesias. Realmente aos domingos parece que alguma coisa faz falta. Sinto desconforto. Então remexo papéis, recortes de jornais, diários, álbuns fotográficos, releio velhas cartas de amor. Foi num domingo que encontrei um conto que nem tinha mais idéia, Isolda Abandonada, Tristão Sonhando com Anjos, que escrevi em Edimburgo. Fala de amor e desencontro. Num domingo, identifiquei-me com o personagem central do filme The Voyager, de Volker Schlondorff, adaptação de uma novela de Max Frisch. É um engenheiro, indiferente, que vive de passagem por aeroportos, estações de trem e cidades vazias. Quando encontra o amor, é tarde demais. Cheguei a pensar no amor como uma invenção literária, adotado pela música e cinema. Hoje creio no amor, mesmo sabendo das dificuldades em encontrá-lo e, quando surge, das dores e tormentos que daí podem rebentar. Li em algum lugar que o amar não é a ligação singular que se imagina, mas uma emoção estranha, melhor guardada na memória e até mesmo melhor sentida quando não correspondida, na ausência do bem-amado. Poucas histórias de amor são satisfatórias, afinal a vida está longe do final feliz das telenovelas. Penso que o amor é uma espécie de descarga elétrica, envolvendo questões como desejo, amizade, aceitação, cumplicidade e sensibilidade. A certeza de um mundo oco de sentido, tem me levado a preocupações românticas. Seria capaz de um amor tão desesperado como o de Heathcliff por Cathy em O Morro dos Ventos Uivantes? Seria possível perder-me de amor como Camille Claudel por Rodin, terminando num hospício até o fim? Acredito que sim. Eu sinto uma profunda falta do amor aos domingos. Talvez o amor mais amplo, solidário, universal. A humanidade parece-me cada vez mais indiferente, cruel e fátua. É o preço que o escritor paga por procurar enxergar facetas ocultas do cotidiano. Ah, caro amigo, talvez seja uma estupidez falar de amor nos dias de hoje. Dentro desse desconforto inseparável seria mais justo pensar na fome, no desemprego, na violência, na corrupção, no esnobismo. Há contradições, sempre. Resigno-me a um café sem açúcar e a ouvir Chet Baker cantando My Funny Valentine. Na verdade, sou um aprendiz, nada sei sobre o amor alucinógeno e a humanidade alucinada. Mas o meu olhar, entre o cálido e o melancólico, pede humildemente perdão pelas minhas irresponsabilidades emocionais, os impulsos da libido, os artefatos do prazer. Não há saída. Expulso do céu, caio e caio e caio através das horas lânguidas e nebulosas dos domingos.
Antonio Júnior