O primeiro Sebo que se recorda no bairro da Boa Vista foi o de Isaías. Por lá passaram figuras ilustres da sociedade pernambucana. Milhares de manuscritos trazidos da Europa estavam cuidadosamente selecionados. Livros que vinham dos confins da Ásia e nove dos tratados elaborados em Charas e Chuquisaca.
O Sebo de Isaías era curiosamente completo em matéria de originalidade. O poeta Pedro Monteiro Lopes, costuma meditar frente a seus estantes seculares de historia universal.
O doutor Cândido Campelo Lacerda, em reuniões diárias, defendia suas idéias monárquicas e batia duro naqueles que se sentiam atraídos pelos ideais da revolução Francesa.
Por lá passaram o filólogo Alexandre Maciel, os jornalistas Olávio Oliveira, José Maria Otoni, Tiago da Fonseca Jr. e tantos outros que prestigiaram com sua sabedoria, com sua ciência e com seu lirismo o Sebo de Isaías.
Entretanto havia rumores que coisas estranhas e esquisitas aconteciam depois da meia-noite. Os mais ousados diziam que personagens saídos dos livros e manuscritos percorriam a beira do rio Capibaribe, nos dias de quarto crescente. Marinheiros da expedição de Marco Polo foram avistados quando caminhavam pelo cais. João Calvino foi reconhecido perto da rua Velha e se diz que um centurião do César estuprou uma escrava de nome “Bia de seu Biu”.
“Coisas desse povo ignorante”, comentava o Dr. Cândido Campelo, “desses liberais ateus, filhos do demônio, de idéias republicanas, francesas e afeminadas”.
O Dr. Cândido Campelo Lacerda, de seu pedestal monárquico, ironizava quem ousasse sequer insinuar a peregrinação dos personagens nas ruas da Boa Vista.
Na última sexta feira, passada a meia- noite, o tumulto foi grande. O próprio Isaías encontrou o corpo ensangüentado do Dr. Cândido. Haviam tentado corta-lhe o pescoço, a ferida era profunda, o sangue entupia a boca e cobria seus olhos desorbitados.
— Foi Robespierre, foi Robespierre, disse o Dr. Cândido, e morreu com o rosto incrédulo.
Héctor Pellizzi