Resolvi ir à chácara após longa insistência
de "amigos". O mapa que me deram, muito mal rabiscado, não deixava
dúvidas: eu iria me perder. Já estava tonto de tanto rodar
e quase sem gasolina, quando finalmente consegui achar a tal "estradinha"
do mapa, que juravam ser um atalho. Os buracos mais pareciam crateras.
Finalmente avistei a placa: Chácara Amigo da Onça (que
nome!). Fui direto tomar banho e descansar. Teria um longo final de semana
pela frente, com direito a futebol "society" – até hoje não
entendo por que usam esse nome. "Pelada suicida" definiria melhor. Conferi
os apetrechos na mochila: luvas, meião e joelheiras. Meu kit goleiro-de-fim-de-semana
recém comprado numa loja de esportes estava completo. Fui convocado
para o confronto do Amigo da Onça contra o time visitante apenas
porque ninguém queria ficar no gol.
Acabou sobrando pra mim, que nem sequer gosto de futebol. Vida de goleiro
é dura... e perigosa, como iria descobrir mais tarde. Almoço,
bebedeira e eu pensando o tempo todo: "o que diabos estou fazendo aqui.
Tenho certeza de que vou me arrepender". Os "jogadores" já estavam
ficando grogues, naquela concentração etílica, nada
profissional. Os adversários se mantinham sérios, não
bebiam e nem aceitavam as provocações. O massacre era certo
e o mico também.
Rápido alongamento, limpeza da pequena área, verificação
das traves. Estava pronto para desempenhar o papel de dublê de goleiro.
Para tentar escapar ileso, resolvi não me esforçar: nada
de me atirar no chão ou fazer defesas arriscadas. Era apenas o meu
corpo que estava ali, ridiculamente fantasiado de goleiro do Amigo da Onça.
Logo no início do jogo levei quatro gols quase seguidos. O martírio
continuou. Antes de virar motivo de piada, resolvi acabar com aquele vexame.
Mas não me deixaram escapar. Insistiram para que eu jogasse, e não
entendi quando disseram que estava me saindo bem. Reassumi o posto de goleiro,
disposto a simular uma contusão, até mesmo uma fratura exposta.
Não foi preciso testar meu talento como ator. Antes que eu pudesse
esboçar qualquer reação, fui atingido em cheio no
rosto por uma bolada. Senti o contato com algo duro (ops!), uma pedra.
Apaguei.
Passei o resto daquele fim de semana deitado, recuperando-me da bolada
fulminante. Os jogadores do Amigo da Onça vieram prestar solidariedade.
Perguntei, envergonhado, sobre o placar. Responderam que tinham "esquecido"
de falar um detalhe sobre as regras do jogo na chácara: pra ganhar
não interessa o número de gols, mas sim, derrubar o goleiro.
Beberam mais alguns litros de cerveja em minha homenagem, elogiando minha
resistência. Fizeram jus ao nome do time, que inclusive está
recrutando novas vítimas. Quem se habilita??
Ricardo Borges