Uma vez, Lucio Brasileiro e eu visitávamos Chiqüita Gurgel, dona do último grande salão da sociedade cearense. A certa altura, pedimos-lhe música. Ela indagou se desejávamos ouvir Bach, Brahms, Mozart. Homem do Beco da Piedade, fui franco: "Não tem disco de Nelson Gonçalves, de Altemar Dutra, ou de Alcides Gerardi?" Insegura, ela nos ainda perguntou, tímida: “Vocês gostam?” Eu gostava, ela gostava, nos gostávamos. Só não nos arriscávamos ao patrulhamento estético. Era o medo de parecer cafona.
Um dia desses, vendo o presidente da Academia Cearense de Letras, Artur Eduardo Benevides, falar,bem, de Charles Morgan, dei um suspiro aliviado. Foi algo parecido. É que me deslumbrei, na juventude, com "Sparkenbrooke", de Charles Morgan embora meu tio padre Oscar tenha me dito, à época, preferir outra obra sua, “A viagem”. Depois peguei corda quando me disseram que tal autor era cafona. Popular. Autor de best-seller. Um dia desses, como já disse, vendo e ouvindo Artur Eduardo Benevides citá-lo em discurso, ainda assim consultei-o e ele repetiu que era perfeitamente legitimo ler e gostar da leitura de Charles Morgan. Confirmei meu alívio.
Li, recentemente, “A deusa dos laços” da portuguesa Maria Adelaide Valente e apreciei. Como sou covarde, antes de admiti-lo e proclamá-lo publicamente, enviei e-mail para o Onésimo T. Almeida, na Universidade de Brown, nos Estados Unidos, para saber se era de bom tom gostar de tal autora. Tal minha covardia em decidir. Tal a fragilidade de meu caráter.
Não li "Ulysses", de Joyce e morria de remorso, apenas superado quando vi que Otto Maria Carpeaux renegara tal leitura . Lego tal responsabilidade aos filhos. Cultivo vício secreto que ora vos vou revelar: curto “Arco de Triunfo”, de Erich Maria Remarque, um best-seller do pós-guerra. Que leio, releio, há muito tempo. Não espalhem que nem sei se pega bem tal franqueza entre os homens de letras com que convivo.
Lustosa da Costa