Sair de férias
é um momento especial na vida de todos nós. Não somente
por ser um período dedicado especialmente ao relaxamento do corpo
e da mente, mas também porque invariavelmente nos tornamos protagonistas
de situações inimagináveis que se constituem, por
si só, no verdadeiro prazer de vivermos.
Em minhas ultimas férias,
viajei tendo ao meu lado, além da esposa e da filha, a companhia
inseparável da poesia, essa amiga de todas as horas.
Pois é! Somente com
o auxilio da poesia, é que eu consigo interpretar e experimentar
diariamente o mundo que me rodeia e, portanto, como não poderia
deixar de ser, ela foi o personagem principal durante esse período
de descanso.
E em sendo assim, nada mais justo do que ceder a ela, a partir de agora,
um merecido espaço nessa narrativa, descrevendo sua atuação
em algumas das situações que vivenciei durante essas férias.
Comecei a minha viagem por
Minas Gerais, visitando a minha mãe na cidade mineira de Teófilo
Otoni, cognominada capital mundial das pedras semipreciosas.
Incrustada no vale do rio
Mucuri, na região nordeste do estado, Teó, como é
carinhosamente chamada por seus filhos, é uma simpática cidade
mineira de porte médio, cujo comércio gira, em sua maior
parte, em torno da extração, lapidação e comercialização
de pedras preciosas, mas cujo maior tesouro para mim são as recordações
felizes da infância que ali passei.
E como toda criança
nascida no interior, eu também tive vários amigos, que encheram
a minha vida de momentos extraordinários, registrados de forma indelével
na lousa das minhas melhores lembranças.
Dessa última vez
em que lá estive, tive a grande felicidade de reencontrar um dos
meus maiores amigos, que eu não via há quase 15 anos, e que
há cerca de 02 anos havia voltado a morar ali.
Ao revê-lo, fui tomado
verdadeiramente por uma alegria incontida e juntos rememoramos os momentos
inesquecíveis de uma época de ouro, em que os sonhos nunca
envelheciam e o sol nunca se punha.
Contudo, notei que nos olhos
do meu amigo pairava a sombra de uma tristeza difícil de esconder.
Perguntei-lhe o que era e ele me disse, em lagrimas, que estava arrasado
com a recente ruptura do seu casamento. Pelo que entendi, somente agora
ele se dava conta do quanto amava sua ex-esposa, fato este que, segundo
ele, fora descoberto tarde demais.
Fiquei com o coração
apertado, e a alegria daquele reencontro rapidamente se misturou com a
tristeza do drama estampado em sua fisionomia. Porém, como ser amigo
é ser solidário em todas as situações, busquei
oferecer a ele o máximo de apoio, simbolizado principalmente na
paciência de escutá-lo por quase três horas contando
os detalhes da sua desdita.
Confesso que, naquele dia
fiquei bastante chateado. Voltei para a casa com o semblante carregado,
e como estava muito calor enchi um copo de suco de graviola, uma fruta
típica daquela região, sentei-me numa espaçosa cadeira
na varanda em meio a uma floresta de samambaias, e fiquei pensando em toda
aquela situação.
Verdadeiramente, a vida
era muito intrigante. O meu amigo era formado em Ciências Contábeis,
e possuía duas grandes lojas na cidade, sendo considerado por todos
um grande empresário. No entanto, se de um lado alcançara
sucesso nos negócios, do outro, não conseguira lograr êxito
no amor.
Enquanto matutava sobre
tudo aquilo, de repente, eis que percebo, em meio ao balouçar da
verde folhagem das samambaias, a presença inspiradora da poesia,
minha inseparável companheira, que rapidamente me obrigou a pegar
o bloco, que sempre carrego comigo, tomar de uma caneta, e escrever os
seguintes versos :
Fechado para balanço
Ontem, éramos empresa de economia mista
E eu controlava as ações do teu coração
Mas teu amor era a única garantia prevista
No investimento de risco da nossa relação
Hoje, tornamo-nos sociedade anônima, depois
que soneguei as cotas da minha afeição
E no extenso livro caixa da nossa vida a dois
Restou apenas o déficit da minha ingratidão
Assim, fechei para balanço, tornei-me massa falida
Pois no atacado da tua ausência, foi decretada a falência
Do meu ingrato coração, de saúde tão combalida
E sem o teu amor à vista, sigo vivendo à prestação
No varejo do dia a dia, sofrendo a alta dessa carência
Que inflaciona o meu peito com a tua recordação
Três dias depois, quando
eu estava preste a retornar para Belo Horizonte e posteriormente à
Brasília, onde moro atualmente, visitei novamente o meu amigo para
despedir-me e acabei entregando-lhe uma cópia manuscrita do soneto.
Ele ficou surpreso, e ao mesmo tempo orgulhoso, por ter sido a fonte
de inspiração daquele poema. Enquanto lia, suas feições
foram se modificando e um largo sorriso brotou em sua face. Ao final ele
exibia uma expressão de bom animo, e me agradeceu emocionado, dizendo
que fazia tempo não sorria daquele jeito, de forma livre e espontânea.
Aqueles versos fizeram com que ele, de alguma forma, passasse a enxergar
de maneira mais clara a sua situação, onde foi que havia
errado e, principalmente, que nem tudo estava perdido. E o melhor, dizia
ele, é que realmente precisava fechar para balanço, a fim
de no tempo certo reabrir novamente o seu coração e quem
sabe, um dia, voltar a lidar com as ações desse intrigante
e envolvente “mercado do amor”.
Despedimo-nos efusivamente
trocando e-mails e telefones, e ao chegar em casa, eis que novamente descubro
a presença da minha amiga poesia, dessa vez cochilando, suavemente
refestelada numa pétala de rosa.
Andando devagar pelo jardim,
para não acorda-la, adentro a casa da minha mãe com um semblante
de felicidade, abraçando a minha filha que pulou nos meus braços,
e ao mesmo tempo pensando : - “Era só o que me faltava! Poesia virar
psicóloga e começar a resgatar nas pessoas o prazer de sorrir
novamente”.
Emmanuel Chácara Sales