O CORAL

            Já era hábito seu produzir-se em qualquer hora do dia, toda a vida fora assim.
            Talvez fosse sua veia artística pois desde criança, jovem, senhora ou na maturidade reconhecia-se nela alguém com alegria de viver ou o "joie de vivre" como diziam as amigas mais viajadas.
            Não importa que estivesse simplesmente vestida, cuidava dos detalhes e não dispensava o baton vermelho laranja.  Não era uma linda mulher, mas mesmo na maturidade sua presença era marcante por onde passasse, bares, restaurantes, cinemas, festas,  na rua ou no shopping. Talvez a exuberância e alegria fossem o "algo mais"...
            Para ir ao primeiro ensaio do Coral não foi diferente.  Amava a música assim como todas as artes. Sua voz era de soprano .  Deixara o estudo do canto quando o pai morreu  e agora, ali estava ela retornando, através do coral, para o qual fora especialmente convidada.
            Na primeira reunião verificou que a grande maioria era constituída de casais já maduros como ela. Foi o primeiro impacto.  As mulheres casadas por terem medo de viúvas ou das mulheres sós, não fugiram à regra: não esconderam a desconfiança para com a recém-chegada.
            Os maridos olhavam curiosos a nova integrante do coral...
            Ela deu de ombros, descontraída e segura de si, foi cumprimentando a todos principalmente as senhoras presentes, por uma questão de cautela.
            Logo percebeu um corôa com certo charme, que a olhava de modo insistente.
            Ela olhou suas mãos e percebeu uma grossa aliança na mão  esquerda. Além do mais,  tinha estatura baixa. Pensou, os homens de sua vida sempre haviam sido mais altos do que ela... E casado para ela... era Frankenstein !
            A bem da verdade, ela bem que gostava de miniaturas, haja visto que seu cão predileto era da raça Pinscher. Possuía um que era uma gracinha pois gostava de cantar junto com ela, trechos de ópera. Certo que os uivos do cão a atrapalhavam mas não dispensava as gargalhadas que o cãozinho lhe proporcionava.
            No segundo ensaio, à noite de uma segunda-feira, o grupo estava reduzido. Muitos dos homens compareceram sem as esposas.
            No intervalo viu-se cercada por eles e o papo seguia na maior alegria e descontração. Mas ela estava ali para cantar e não para outras coisas, pensou.
            Na saída, o baixinho adiantou-se aos demais e ofereceu-lhe carona. Ela não viu nenhum mal em aceitar o convite. Quando chegou ao carro percebeu que não era  um Fuscão preto, mas um fuscão dos anos 60...
            "Não faz mal," pensou, afinal estava no Coral para cantar e não para outras coisas...
            No trajeto, o baixinho foi mostrando lugares,  apontando para a casa onde nascera , desfilando  reminiscências de infância.Já próximo à casa dela, o baixinho lascou:
            — "Despois" do ensaio seria bom a gente tomar uns chopp.
            — O quê? perguntou ela.
            — "Despois" do ensaio, repetiu o baixinho.
            O entusiasmo dela desceu a zero. O cara podia ser pobre, casado  e ter todos os defeitos do mundo, mas aquele "despois" ficou martelando na cabeça dela como  porretadas.
            Não, aquele baixinho não era o "esperado".
            (Esperado de quem? perguntou-se... )
            Afinal, não estava no Coral só para cantar e não para outras coisas?
            E  foi assim  que ela desistiu do Coral, pois concluiu que os ensaios estavam muito chatos.

Tenini

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