Diálogo entre Gil Vicente e a Contemporaneidade

A gente nunca sabe quando será a última vez. E, ao menos, sabíamos que viríamos para este pequeno mundo de Deus!... Até hoje buscamos em nossos desertos as pegadas de Moisés, de Abraão, de Cristo, de João, de Carlos Magno, de Dom Dinis, de Dom Sebastião, do padre Antonio Vieira, de Fernando Pessoa e até de John Fitzgerald Kennedy!... Ainda buscamos um Redentor!... Mas só encontramos demagogos, galinhas com gogo, ovos chocos, corruptos, populistas, messiânicos, papos furados ou papos de sapos-bois, fraudulentos revolucionários que só almejam  o poder pelo poder e outras ratazanas travestidas de honestas e justas. Vivem a nos encher as cabeças com problemáticas e diagnósticos que não ganham corpo de projetos e nem se convertem em solucionáticas. Por isso desconfiamos até de Deus! Não foi a toa que , antes de 1536, o teatrólogo português Gil Vicente ( censurado pelos inquisidores após a data supra-citada) à maneira de Erasmo de Rotterdã, mandou para o quinto dos infernos alguns Papas, vários Reis e Rainhas, Cardeais e outras Nobrezas de então. (...) Há pouco morreram dois insignes cariocas: Oswaldo Sargentelli e Mário Lago!... Grandes perdas para a Cultura Popular Carioca e Brasileira!... (...) “À barca, à barca segura, barca bem guarnecida, à barca, à barca da vida!” (Gil Vicente – Auto da Barca do Inferno – obra apresentada e analisada em edição escolar por Amélia Pinto Pais e editada na cidade do Porto pela Areal Editores – primeira edição em 1988 – página 111). (...) Frida Kahlo amou Leon Trotski (mas, depois, o desprezou por seu pedantismo!), foi várias vezes salva por São Karl Marx, por Friedrich Engels e, moribunda, gritava várias vezes por dia, em seu leito com dossel, “Viva Lênin!...”, “Viva Stalin!...”; acariciou e conviveu longamente com a proximidade da morte (sem nunca ter sido considerada mórbida?), teve uma das suas pernas amputada, foi considerada uma artista plástica mexicana surrealista (e disse que nunca soubera que era uma surrealista!...) e morreu em 1954! Santa Frida Kahlo, cuide dos meus calos, esporões e bicos de papagaios tropicais! Vivam os mortos! Tomemos cerveja e sambemos nos velórios! E que as bandas de músicas acompanhem até os cemitérios os nossos féretros!...
Dona Jura serve bundinhas fritas de tanajuras no seu bar enquanto esconjura o fato cultural dos coreanos comerem carne de cachorro. Aí o Sérgio Sant’Anna  - em seu livro intitulado Junk Box (Uma tragicomédia nos tristes trópicos) , editado em Sabará – Minas Gerais – pelas Edições Dubolso – pela enésima vez em 2002- passou a nos dizer em sensual e pródigo monólogo: “Minha velha, te esconjuro: você é gaga ou gagá?” (...) “Ó Zeus, quantas cabeças terá a serpente?” (...) “Santos Dumont no Enola Gay contornando a Tour Eiffel?” (...) “A morte está ao norte.” (...) “Não posso te dar a jaca mas eis a jararaca. Me chama de bilingüinha que eu te dou uma lambidinha.” (...) “Calma, menininhas! Há lugar para todas in my heart. Dou-lhes uma bala de jujuba, enfio-lhes a manjuba e está pronta uma suruba.” (...) “Se é proibido fumar no Internato/ Se é proibido foder no Internato/ toda proibição é uma ereção/ e a fumaça sobe azul em espirais da imaginação” (...) “Com o pequeno fio de baba/ com o pequeno fio de lava/ o pequeno fio de sêmen, jogo o laço, teço uma tela e prendo a Marilyn Superstar. _ Criança, nunca mais verás orgasmos como este!” (...) E recita Erik Satie: “Disseram-me: verás quando tiveres cinqüenta anos. Tenho cinqüenta anos: não vi nada”. Sobre o livro Junk Box  de Sérgio Sant’Anna acrescento uma breve ficha de leitura: Paráfrases irônicas e lúdicas em arquivos  já clássicos do imaginário lítero-musical e teatral da última metade do século XX. Plena hegemonia do profano sobre o sacro!... Um registro expressivo e neo-barroco da visão anárquica de um mundo (sempre caótico e ensebado) viva em nós, geração anos sessenta. Você senta e cai o queixo... ou fica de queixo caído após comer mangada com queijo mineiro!... Sit down, please! ... Observation: Eu nem me lembrava mais dos Laços de R. D. Laing! Mas do Sig – mundo, ó Raimundo, como não haveria de me lembrar?!... Assino : J.L.D.T. E lá dos primórdios do século XVI, nos tempos do Rei Dom Manuel, o Venturoso, responde-nos o teatrólogo cortesão Gil Vicente: “Ó fideputa maldito, triste avezimão tinhoso, lano pecador e errado!... Ó padre Frei Capacete! Esta espada é roloa/ e este broquel rolão. Dê Vossa Reverência lição / d’esgrima, que é cousa boa!... (...) À puta da badana! ... Burrela, cornudo sejas! Samicas de caganeira. De quê?  De caga merdeira...” (...) “A cadeira  entrará/ e o rabo caberá/ e todo vosso senhorio.”(...) “Tua mulher é tinhosa e há de parir um sapo.”(...) “Dize, filho da cornuda, neto da  cagarrinhosa!...”(...) “Abaixa arama esse cu.”(...) “Devoto padre marido” (...) “Santo sapateiro honrado!...”(PAIS, Amélia Pinto – edição escolar do Auto da Barca do Inferno -  obra acima citada. Agora, no dia 7 de Junho de 2002, um Congresso patrocinado pelo Departamento de Letras da Universidade de Lisboa relembra e avalia a importância da obra teatral de Gil Vicente. Nesta data comemoramos quinhentos anos da primeira encenação de uma peça de Gil Vicente: Monólogo da Visitação! Não sei se estou extrapolando muito mas, nesta efeméride, ouso insinuar que vejo fagulhas ou escuto ecos das obras de Gil Vicente no teatro rebolado  (ou Teatro  de Revista) carioca (entre 1930 e 1955). O tom irreverente de Gil Vicente se projeta neste tipo de teatro popular brasileiro (no qual algumas atrizes também viviam papéis equivalentes aos das cortesãs lusitanas do século XVI. Muitas destas atrizes do Teatro de Revista carioca de então – como Virgínia Lane- eram amigas do Presidente Getúlio Vargas e Virgínia, por exemplo- chegou a comemorar – com a presença do Presidente- o seu aniversário em pleno palco! ). Gil Vicente foi o ourives da Rainha Leonor e, em 7 de Junho de 1502,  representou, na câmara da  moribunda  e “Santa” Rainha Dona Maria, o Monólogo da Visitação ou do Vaqueiro  durante o qual o autor  ou um dos seus diabólicos personagens chega a ordenar o seguinte:”... e despeja aquele banco para a gente que virá!...  (...) Ora, sus! Que fazes tu? Despeja todo esse leito!...”!... Além do mais, percebo reflexos da ironia quase hilariante de Gil Vicente até nas atitudes do meu tio-avô - de nacionalidade portuguesa -  César Miranda que, há 80 anos atrás, arriando as calças num cafezal (na zona da Mata mineira) para satisfazer necessidades fisiológicas emergentes foi atacado por uma horda de formigas saúvas e, sem muito a fazer diante deste inesperado incômodo, passou a gritar: “— Come tudo, desgraçadas! Come tudo, anda!...” (...)
Mais uma nota para esta nossa coluna social: uma banda de música (em nada udenista) com 53  baianas lésbicas e simpatizantes tocando pistões, saxofones e batendo em retumbantes tambores, à frente do carro oficial do evento, abre amanhã em São Paulo – capital a enésima Parada do Orgulho Gay. Viva Maria Quitéria, a heroína da Guerra da Independência na Bahia, gente!... Rosa  que te quero rosa!...

José Luiz Dutra de Toledo

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