Quem caminha pelas
ruas de nossa cidade, pode observar as mais diversas paisagens urbanas.
Avenidas, praças arborizadas, calçadas, que apresentam peculiaridades
pitorescas, como a que vemos na rua do correio...Enfim, uma gama de cenários
interessantes, inda que se encontrem, muitas vezes, compostos de elementos
que destoam da natureza e maculam a singular beleza que se nos oferece
aos olhos, pois a limpeza das ruas anda deixando a desejar...
Em minhas caminhadas
matutinas chamou-me a atenção um personagem constante, uma
figura que diariamente cruzava meu caminho. Deve andar pela casa dos cinqüenta,
porte pequeno, possui a desenvoltura e agilidade característica
de quem sabe bem para onde está indo.
Durante meses observei-a
perambulando pelas ruas; óculos, boné e roupas apropriadas.
Mantinha uma cadência constante, um ritmo quase monótono no
caminhar e a cabeça sempre ereta, a postura adequadamente alinhada
e um quê de serenidade ao movimentar-se. Chamou-me a atenção
o fato de que na maioria do tempo, andava de olhos fechados. Diversas vezes,
ao andar lado a lado, observei este detalhe, e me intrigava sobremaneira
este comportamento atípico.
Era uma pessoa atenta,
pois jamais deixou de cumprimentar-me quando nossos passos nos colocavam
emparelhadas, por alguns minutos, o que ainda mais me intrigava.
Um dia, não
resistindo, ao aproximar-me dela, cumprimentei-a e, aproveitando o ensejo,
puxei conversa com a intenção clara de indagar-lhe sobre
seu comportamento. Em dado momento o fiz, e deixei que a curiosidade me
vencesse, perguntando-lhe abertamente, porque, na maioria do tempo, caminhava
de olhos fechados. Não me surpreendi com sua simpatia e espontaneidade
ao responder-me, pois tudo nela transmitia autenticidade e franqueza. Assim,
com naturalidade disse-me que enquanto caminhava, ia orando e conversando
com Deus, e como já conhecia de sobejo o caminho, podia dar-se ao
luxo de assim proceder...
Ouvi atenta sua explicação
singela e despretensiosa, e me admirei com sua lógica, que de certa
forma esbarrava com a minha.Um pouco mais prática e realista...
Continuei observando-a
dia após dia, encantando-me com sua inocente presença, que
parecia enfeitar o caminho por onde andávamos, e a cada manhã,
lembrava-me enternecida da razão de seus olhos se fecharem...
Semana passada, andava
eu como sempre, quando avistei a razão de minha admiração
matutina, que caminhava a minha frente. De repente, percebi um movimento
estranho e em questão de segundos atinei espantada com o que aconteceu.
Meu personagem predileto havia colidido de forma abrupta com um poste!...
Apressei-me ao seu
encontro para ajudar e quando estava a poucos passos de meu destino, parei
ao observar a cena que se desenrolava a minha frente e ouvi surpresa minha
amiga.
Enquanto pegava o
boné, que havia caído, e recolhia os pedaços dos óculos
estraçalhados, ouvi quando ela dizia em voz indignada:
Puxa vida Senhor!
Estava a falar contigo, o que custava avisar-me sobre o poste!
Vejam vocês!
Priscila de Loureiro Coelho