APOGEU E QUEDA DO CASAMENTO
Isso
Que acontece com a gente
Acontece sempre com qualquer casal
Isso
Ataca de repente
Não respeita cor, credo ou classe social
Isso, isso
Parecia que não ia acontecer com a gente
Nosso amor era tão firme, forte e diferente
Não vá dizer
Que não avisei você
Olha o que vai fazer
Não vá dizer
Não adianta mesmo reclamar
Acreditar que basta apenas se deixar levar
Isso
Que atrapalha nossos planos
Derrubou o muro, invadiu nosso quintal
Isso
Passam-se os anos
Sempre foi assim e será sempre igual
Isso, isso..

(Tony Bellotto – “ISSO”)

Anos e anos depois de erros e acertos e finalmente a certeza de ter chegado à hora de se dedicar a uma única pessoa.

Planos de uma felicidade plena, constituir uma família, filhos, cachorro, casa.

E o principal, poder passar mais tempo juntos, curtindo um ao outro, fazendo juras de amor, dando e recebendo carinho com mais intensidade e comprometimento.

Assume-se toda uma carga de responsabilidades, que parece leve e sustentável, uma vez que o amor é tão intenso e  puro.

No início, tudo corre tão bem...

Na verdade, quando um jovem casal define o casamento como sua prioridade, a maleabilidade de ambos permite que se enfrentem as dificuldades com mais jogo de cintura e os golpes da insensatez são mais bem digeridos.

O tempo passa e nem precisa ser muito e “algo” (ou seria “isso”?) acontece...

O romantismo de outrora vira reclamação, os beijos molhados viram insultos da boca tão bem escolhida.

Na verdade a rotina consome homem e mulher, um mais, outro perdidamente.

A compreensão tão nítida quando namorados vira exasperação e de nada adiantam palavras de não-beligerância e não-agressão.

A finalidade primária de ficar mais tempo juntos torna-se uma raridade.

O tempo em casa é usado para arrumar a casa e a reclamar do que está desarrumado, a se lembrar dos pagamentos da semana, do mês e do ano seguinte.

Abre-se o conta-corrente e faz-se contas, contas e mais contas.

Livros e mais livros são lidos de maneira insistente como a dizer:

“Tenho mais o que fazer além de me dedicar a você”.

Ao cônjuge apaixonado e carente cabe a aceitação ou o encontro de respostas que na música que inicia este texto chama de “isso”.

Fazer o que então uma vez que sempre que o mundo é mundo, as coisas são assim?

Bandeiras brancas são hasteadas e tratados são feitos, um por semana, cinco ou seis por mês, centenas ao ano e a cada acerto nove ou dez retrocessos.

Homem e mulher são diferentes, tem prioridades e sensações distintas e juntos tem a dividir somente o sentimento-mor.

Certo é que os valores são mutáveis e em conseqüência disto, as direções de seus caminhos podem mudar com o tempo ou com as desilusões que a rotina ocasiona.

Existem casais que se acomodam, outros se rebelam e buscam em outra relação o caminho de Shangri-lá e há aqueles que optam pela solidão à incompreensão e mesmice.

O que falta aos casais é a entrega.

Com o tempo,  escudos, espadas e lanças são adquiridas como a se defender de um inimigo íntimo.

O ser que dorme ao seu lado parece digno de uma armadilha e artimanhas para se dormir com um olho aberto e outro fechado são feitas e colocadas em prática.

De nada adianta.

 Amor com amor se paga.

E desamor com amor também se paga.

Beijos inocentes, palavras puras e desculpas sinceras ainda são as melhores armas de dedicação ao ser escolhido.

Nada de rancor ou de palavras ásperas.

Um sorriso combate muito melhor e mais fortemente ao semblante irado que se alimenta de incompreensão que qualquer outra forma de embate.

Aos casamentos que aflitos procuram consolo, sejamos tolerantes e dignos.

Ao amor mais lindo deste mundo, rosas brancas e vermelhas.

Que “isso”seja somente uma fase de adaptação, um momento raro e rápido que não encontrando acolhida parta para outros mares.

Amor é algo sublime que enfrenta furacões, crenças e pessoas com o sorriso aberto de quem tem a certeza de que seu par o apóia incondicionalmente, não importando onde, como ou porque.

Desculpe Bellotto, não será sempre assim, nem comigo será igual.

Minha rotina será a de amar mais e mais e de combater a rotina, o possível descaso ou a incompreensão de forma serena e ampla.

Beijos e mais beijos serão dados, abraços apertados, palavras calmas e uma dedicação espontânea a quem amo.

Assim amo, desta forma amarei e aos oitenta ou noventa direi o que achei, mas antecipo o resultado:

Quem ama, vive mais e melhor e problemas são até importantes na medida que não deixam cair uma relação na rotina, ou não deixa acontecer“isso”.
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Xande Rêgo

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