Em sua dissertação acadêmica (UnB, 1983) sobre os poetas radicados na Capital da República, recentemente editada em livro (Poesia de Brasília: duas tendências, Thesaurus, 2002), o escritor José Roberto de Almeida Pinto reporta-se a artigo do prof. Domingos Carvalho da Silva (“Diário de Brasília”, DB Especial, 20 e 21.4.75), em que este questiona: “Já que os que aqui nasceram ainda não existem como poetas, restam os que, vindo muito jovens para esta cidade, aqui escreveram e publicaram os primeiros poemas.” DCS respondia a sua própria indagação: “Quem são os poetas de Brasília?”
Esta peculiaridade de terra sem passado dá ensejo à polêmica, que nos meios literários se arrasta desde os anos 60, sobre a naturalidade a considerar-se no caso de escritores nascidos em outros rincões e que continuam a compor e a publicar seus textos nesta Capital.
Assis Brasil, no precioso mapeamento que fez da poesia nos Estados, trabalho lamentavelmente interrompido por falta de apoio em alguns lugares, excluiu o Distrito Federal de seu projeto. Forçosamente teria de assim proceder, por imperativo do critério estabelecido: buscava autores e poemas publicados ao longo do último século. E Brasília surgiu há apenas quatro décadas... Assim sendo (por exemplo), os nossos vates montanheses foram levados de volta às Alterosas para com os demais integrarem a antologia A poesia mineira no século XX (Rio: Imago, 1998). Assis Brasil selecionou sete autores: Lina Tâmega Del Peloso, Anderson Braga Horta, Danilo Gomes, João Carlos Taveira, Wilson Pereira, Ronaldo Cagiano e este articulista.
Wilson Martins, por todos aplaudido e reconhecido como nome exponencial da crítica contemporânea em nosso idioma, na coluna que mantém em importantes diários tem-se manifestado em termos de grande apreço pelos escritores desta “...cidade que ainda não viu reconhecida a sua importância cultural.” (“O Globo”, 18.1.2003.) Mas também ele, que alude à restrição apresentada pelo professor recém-falecido em São Paulo, há pouco citado, resiste à idéia da adoção brasiliense dos adventícios... Com relação aos mineiros, esmagadora maioria, consigna: “O poetas de Brasília são, em certa medida, uma categoria à parte, justamente na medida em que a presença da cidade é uma constante mental, implícita ou expressa, mesmo como pseudópode das letras mineiras, tanto pelo lugar de nascimento de muitos poetas locais (...) quanto pelo desejo declarado de afirmação, testemunhado pelas antologias (...) Poetas de Brasília, 1962, e Antologia dos poetas de Brasília, 1971, mais Poetas de Brasília, 1998” (com relação ao último livro há um equívoco, porquanto, obviamente, o crítico quer referir-se a Poesia de Brasília). E conclui: “Vistos da ponte, os “poetas de Brasília ainda se confundem como os Poetas mineiros em Brasília, título da coletânea reunida por Ronaldo Cagiano (Brasília: Varanda, 2002.”// “Tudo isso propõe um problema de identidade (...)”
A convivência – no caso dos veteranos, convivência de mais de quarenta anos – autoriza-nos a afiançar que os escritores em foco se ufanam da condição de brasilienses, e reivindicam seja ela reconhecida. E a isso, indubitavelmente, fazem jus, ainda que em caráter provisório, ainda que na condição de precursores. Mas sem abrir mão da mineiridade... Esse privilégio de detentores de dupla naturalidade, ou quase isso, há de ser reconhecido como legítima conquista de pioneiros, de desbravadores, de lançadores da pedra fundamental da literatura candanga.
Os que nos miram “da ponte” hão de um dia considerá-los autênticos e inquestionáveis autores da página inicial – ou introdutória, vá lá... – das letras na Capital Federal. Sem excluí-los de Minas. Porque isso dói. Porque Minas é muito mais que um retrato na parede.
Joanyr de Oliveira