Chegaram cartas, algumas publicações e um postal. Abriu
uma a uma, cuidados para não estragar nem os selos, nem os carimbos
dos correios.
No envelope azul, um convite para algo que não entendeu, recortou
os selos.
No envelope amarelo estava propaganda de uma revista comercial sem
interesse algum, nem carimbo tinha.
Num outro a divulgação de uma exposição,
envelope de plástico sem graça.
Num maior e engelhado, pedaços de imagens soltas numa proposta
de assinatura.
Outro envelope com um carimbo, lá dentro um poema, leu-o e gostou.
Um poema de silêncio barulhento, de conseguir escutar os sons da
cidade imensa, uma caminhada das grandes desde o rasgar do abridor de cartas,
o vento que sopra na janela, o som de carro ao longe, as crianças
que gritam, os nossos passos e o respirar. São tantos os sons que
se misturam num infindável movimento de gentes e coisas.
Ler o correio com calma ao fim de tarde, como se cada correspondência
lhe trouxesse um novo horizonte, é um ritual de realidades, utopias
e paixões.
Na esperança dessa partilha imensa que as palavras trazem, escrever
é um abrir de sentimentos, raramente diremos o que escrevemos.
Outro envelope, de papel artesanal, com uma escrita muito desenhada,
uma amiga contava-lhe as andanças pela cidade, noutro continente,
à beira rio, ao ler, a luz dourada vinha-lhe à memória,
os cheiros a atordoaram. As palavras de carinho a fizeram chorar, saudades
da amiga e dela mesma naquela cidade à beira rio tão distante
e tão perto. Por fim o postal, vindo de terras luminosas sorria-lhe,
contava-lhe da ilha, da baía, da luz de fim de tarde, olhares
num horizonte a avermelhar mansamente, as mãos abraçaram-no
num embalar transportado para um sorriso de quem se quer.
As publicações ficariam para mais tarde.
Constança de Almeida Lucas / 2003