A maior satisfação
de Dona Aurora Veiga era ir às compras. Circulava pelas redondezas
do bairro onde morava, em busca das melhores verduras, frutas e legumes.
Tinha também o açougueiro
e o peixeiro prediletos. Esses entregavam o produto sempre no melhor dos
tratos. Tinham por ela grande consideração por ser ótima
freguesa e, exigente, querendo sempre o melhor, para eles era elogio compensador.
Naquela véspera de
Sexta-feira Santa, Dona Aurora encaminhava-se à peixaria com
o firme propósito de comprar filé de linguado e camarões.
No entanto, foi interpelada por um rapaz forte, moreno e muito falante,
que dirigiu-se a ela da seguinte forma:
— Olá, lembra-se
de mim? Sou aquele que trabalhava no açougue onde a senhora costumava
comprar carne, lembra? Claro que lembra, né? Eu sempre escolhia
os melhores pedaços para a senhora. Lembra, né?
Dona Aurora não lembrava,
mas achava que não podia ser mentira. E continuou a ouvir
o que ele tinha a dizer:
— Tenho uns peixes e uns
camarões maravilhosos que estão guardados num caminhão
lá na Rua Herculano. A senhora me paga vinte reais que em cinco
minutos trago o pacote. Tenho vendido para todas as senhoras daqui. Peixe
da melhor qualidade! E os camarões enormes e vermelhinhos... lindos!
Dona Aurora empolgou-se,
pois o preço estava ótimo. Deu o dinheiro e ficou esperando
junto à banca de jornais. Aproveitou para folhear a revista Caras
e saber um pouco sobre as fofocas no meio artístico. Chegou a ler
duas revistas...
Depois de passado um bom
tempo, Dona Edna Maria passa com uma sacola de peixes e encontra a amiga
que lhe conta o ocorrido. Perplexa ela responde:
— Mas dona Aurora, esse
cara está dando o golpe há tempos, já avisamos até
à polícia sobre isso. Nem sei como ele ainda teve a
coragem de vir aqui hoje.
Ao ouvir isso,
Dona Aurora cai em prantos. Muita vergonha por ter sido ludibriada. Logo
ela, que era tão esperta, nunca fora passada para trás,
sempre respeitada... Fica pálida como se fosse desmaiar. Chamam
então o Doutor Onofre, o farmacêutico, que a faz engolir
um calmante natural. Aos poucos ela se acalma. O pessoal a abana com leques,
alguém passa álcool em sua testa, e ela acaba ficando normal.
Digere o ocorrido.
Encaminha-se então
à peixaria e ao narrar o fato ao peixeiro, ele, fingindo-se
ofendido por ter sido preterido pelo salafrário, sai-se com essa:
— Trocou-me por um qualquer,
uns camarões, e um filé! Quer agora fiado? Não vai
dar pé!
E acabaram caindo numa
boa risada! Aliviaram a tensão da velha mulher que foi então
servida do melhor linguado e camarões. E, o melhor, foi fiado!
Quanto ao rapaz, acabou
sendo detido e para que fosse penalizado inventaram que vendia peixe deteriorado
e roubado. Até disseram de onde roubava. Conseguiram boas testemunhas
em relação ao caso.
O fato ficou entre os mais
notáveis do bairro. O pessoal tinha um livro de anotações
e esse caso foi devidamente catalogado.
Bem, totalmente contra a
vontade de Dona Aurora!
Belvedere