Dia desses, para receber pagamento por um trabalho executado, eu precisava apresentar um número de registro como autônomo. Fui então à Prefeitura, solicitar minha inscrição e saí morrendo de medo de não receber o tal pagamento, pos fui convencido lá de que não existo.
Chegando àquela autarquia (gostaram do termo?), falei com um rapaz muito solícito atrás de um balcão, cuja função é apenas observar as pessoas pegarem umas fichas numeradas e dizer-lhes para dirigirem-se ao balcão ao lado. Falei que queria me inscrever como autônomo e disse-lhe que sou poeta. Ele falou que não podia, que nunca tinha visto um poeta inscrever-se como autônomo.
Fui então falar com o chefe: — Bem, eu quero me inscrever como autônomo. — E o que o Sr. faz? — Eu sou poeta. — Como? Poeta não pode; poeta não existe. Mostrei que eu estava ali, diante dele. E ainda me apalpei para ter certeza. Ele argumentou que sabia que eu existia, mas confirmou que poeta não existe. Não é profissão regulamentada. Eu poderia me inscrever como outra coisa. Sugeriu professor ou datilógrafo, que, segundo ele, se aproximava de poeta porque, datilógrafo, datilografava, portanto escrevia, daí concluindo que, se não é a mesma coisa, é muito parecido. Eu contra-argumentei que não podia, pois eu não sou professor, e também não sou datilógrafo. Sou poeta.
E assim ficou. 1x0 para a burocracia. Afinal, eu não existo.
Carlos Barros