Num dia de 1997 - ou teria sido 1998 ?- hospedei-me num hotel em Saint-Hubert, nas Ardenas. Entrando no hotel vi um gato grande e gordo dormindo, confortavelmente instalado numa poltrona. Enquanto esfregava as mãos uma na outra, na tentativa de aquecê-las, vi, do lado esquerdo da recepção, uma placa informando que Hernest Hemingway se hospedara ali no tempo em que era correspondente de guerra.
Mais tarde sentei-me à mesa do restaurante para comer o que seria o meu primeiro cordon-bleu não fosse o pêlo daquele mesmo gato gordo a enfeitar o fundo do meu prato. Gato filho da puta…Mas ele era o rei do pedaço, eu já tinha percebido.
Fui para o meu quarto com o estômago vazio, quando abri a porta, escutei um miaaau e tive que me colocar de lado para dar passagem ao robusto gato que ainda encontrou um meio de esfregar-se em minhas pernas. ´A casa é sua`, digo-lhe fechando com força a porta a porta atrás dele. Antes de me deitar dou uma boa sacudida nos lençóis e amaldiçôo mais uma vez o gato. Deito-me e analiso o teto. Teria sido esse o quarto ocupado por Hernest Hemingway? Quem sabe não teria usado aquela mesma escrivaninha? E que linhas teria escrito ali? Linhas sobre soldados ensanguentados, baixas, armas, coronéis e generais…
Entretanto, em tempos de guerra, duvido que se encontrasse ali um gato tão gordo e folgado.
Leila Silva
Bruxelas, 3/06/2003