Sabe, gosto de ouvir Renato Russo. Sobretudo o disco branco, The Stonewall Celebration Concert. Há, ali, meio que um buquê de canções sobre amor e solidão. Sobre o amar. Sobre o sonhar. Fazia tempo que não o ouvia. Um bocado de tempo. Daí, que hoje o dia amanheceu excessivamente azul. E eu, excessivamente só. E você, excessivamente longe. E mudo. Veio-me uma vontade urgente, irreprimível, de ouvi-lo. O disco. E ouvi e ouvi e ouvi. E pensei, talvez mais do que devia, em você. Em nós. E me senti mais só. Até chorei um pouco, diante do espelho, por conta dos meus olhos baços. Nunca estou bem quando eles, os meus olhos, esquecem o seu brilho. Não, não olhei seus retratos. Há tempo tratei de guardá-los, bem guardados, todos. De volta ao disco. Tantas canções que lhe diriam tanto de mim. Pensei em gravá-lo para lhe mandar, como um presente-surpresa, mas desisti. Você não entende inglês, seria em vão. Aliás, de repente, veio-me uma idéia meio-louca, embora não desprovida de fundamento. Talvez, você perceba, a mim e ao meu jeito de sentir, ser, pensar, querer, rir, escrever, falar, como se em um outro idioma. A você, desconhecido. Alguma língua estranha, arcaica, morta. E não, em bom e claro português. Perhaps, em inglês. Um insólito desvio de percepção. Como uma estranha e peculiar alucinação. A mim, em você, restrita. Porque, da língua portuguesa, você é mestre e senhor. Ah, deixa pra lá! Quanta tolice! Bobagens de quem sente saudade. Como canta agora, Renato, I can get along without you very well... Except, perhaps, quando o dia é azul e claro, como esse, e, quase esqueço, que não devo let you break my heart in two. Again.
Márcia Maia