Hoje não tem poema, infelizmente hoje tem uma denúncia grave.
Aqueles que me conhecem sabem que estou tentando adotar uma criança.
Um menino que tem sido, junto com minhas filhas, a razão de minha vida.
É uma criança abençoada. Não há quem não se apaixone por ele e, se a aproximação for muito grande, não há quem não se emocione com ele.
Não é dele que quero falar, mas ele é apenas uma referência do que vou narrar.
Sua família mora na Favela da Maré, Rio de Janeiro. Uma das obras, feitas por sei lá que governo, tida como socialmente opinião, um dos maiores absurdos já levados a efeito em nosso país.
Trata-se de um conjunto de casas, com características que só um louco conceberia.
O gênio que "fez" aquilo, simplesmente fez questão de manter, apesar de planejado, todas as características de uma favela.
As casas são uns amontoados, as características físicas locais mantiveram o aspecto e a distribuição típicas das construções de uma favela, inclusive com becos interligando diversos acessos.
Dentro deste inferno, construíram praças públicas, parques esportivos, parques aquáticos, escolas e creches.
Agora a melhor parte. Com a desculpa de proteger estas pessoas dos perigos do trânsito, cercaram a área com grades. Esta área fica a confluência das linhas Vermelha e Amarela. Um dos lugares mais violentos da história da violência deste país.
O nome que dou a "isso" é isolamento social, covardia!
Pois bem, neste lugar "maravilhoso", construído por um gênio da arquitetura e por um outro da administração pública, ontem, quarta-feira de cinzas, 05/03/2003, houve um tiroteio entre bandidos e policiais. As razões de cada um para ali estar, talvez aos sociólogos de plantão caiba explicar, não a mim.
Tentarei sim, explicar o que uma criança de três anos fazia ali. Uma praça pública, com balanços, gangorras, escorregadores, tanques de areia. Exatamente tudo o que uma criança possa ter de interesse em uma tarde de sol.
Praça pública, com brinquedos "interessantes para crianças", construída em um lugar especialmente projetado para ser violento, cercado para que a violência não saísse de lá.
O tiroteio em que teve como cenário esta "magnífica praça" resultou em um policial morto e oito pessoas feridas.
Dentre as pessoas feridas, duas crianças eu conheço, são irmãs do menino que hoje está em segurança em minha casa.
Uma delas, 11 anos, um tiro na parte superior da cocha, não freqüentará escola, não por conta do tiro, mas por outras violência. Nas escolas "embutidas" naquele lugar "genial", não havia mais vaga para ela.
A outra criança, 3 anos, esta sim conseguiu matrícula em uma das creches mantidas dentro do "cercado". Só há um pequeno problema, não sabemos se poderá freqüentar a creche, não sabemos nem se sobreviverá. O tiro a atingiu na cabeça, altura da têmpora.
Até o momento em que estou escrevendo este artigo, a única notícia que tenho é que foi operada durante a madrugada e está no CTI.
Operada no mesmo hospital, que se localiza próximo ao "CERCADINHO OFICIAL", para onde seu irmão, oito meses atrás, foi levado após ter nascido em casa.
O menino nasceu em casa, sua mãe estava de pé e a criança caiu, literalmente caiu de cabeça no chão. Na queda, sofreu ruptura total do cordão umbilical.
Neste mesmo hospital, onde a irmã foi operada, o menino ficou internado por 19 dias. Durante todo este tempo, nenhum "profissional notou" que ao romper o cordão umbilical, ele sofreu uma grande perda de sangue, tendo como conseqüência mais grave uma profunda anemia, que levou seis meses para ser estabilizada, inclusive com transfusões de sangue. É bom esclarecer que o menino ficou 19 dias internado não por causa de seu problema, mas por uma pneumonia apresentada por sua mãe.
Pergunto a você que me lê:
Qual foi a violência maior?
O tiro levado pela menina de 11 anos?
O tiro levado pela menina de 3 anos?
O tiro fatal levado pelo policial?
O descaso com a perda de sangue do menino?
A construção do "CERCADINHO OFICIAL"?
A cegueira proposital da sociedade?
- Talvez, apenas talvez, a violência maior seja a nossa, de fingirmos que não está acontecendo. Que o Rio de Janeiro e as grandes cidades brasileiras, e não é de hoje, está muito mais próximo de uma convulsão social do que de uma solução.
- Talvez, apenas talvez, os sociólogos de plantão, estejam muito mais preocupados em fazer política do que estudar as razões.
- Talvez, apenas talvez, o mundo, pelo menos o nosso mundo, tenha virado a cara para si mesmo e permita que crianças sejam vítimas de sua ignorância.
- Finalmente, talvez, apenas talvez, cada um de nós, esteja julgando que o simples fato de votar uma vez ou outra, no cara certo ou errado, seja o suficiente para que o Brasil volte a ser um lugar bom de se morar.
Só um alerta, nós, membros desta sociedade, porém não abastados, corremos o risco de sermos colocados em CERCADINHOS, oficiais ou não (alguns já estão se "cercando" por conta própria, vide os "condomínios") e nos tornarmos também, socialmente isolados!
Marcos Woyames de Albuquerque