Amor e desprezo

Impulsionado por um sentimento triste que assola tantas pessoas, resolvi molhar o papel com algumas lágrimas que saíram do
fundo do meu ser para escrever essas linhas. Não é muito bom escrever sobre tristezas cotidianas. Dá desânimo em qualquer
sujeito, uma vontade de não fazer nada, mas, por outro lado, é confortável jogar tudo que está dentro de si numa folha de
papel.
Depois, você pode pegar essa folha e rasgar tudo e tentar, assim, dar um fim naquele sentimento. Em vão, claro, mas pelo
menos você tentou.  Tristeza nunca faz bem para ninguém, mas pelo menos faz com que pensamos no mundo e no que nos
rodeia. Faz com que pensamos na vida, façamos uma ‘análise’, sem precisar ir a qualquer psicanalista, que, nessas horas está
muito caro.
Quem não sofre? Pelo que se vê por aí, muita gente. Mas será que a máxima de que só sofre quem quer, é verdade? Talvez o
sofrimento seja parte da vida de certas pessoas. Umas sofrendo mais, outras menos.
Consultando um desses dicionários de bolso, a palavra desprezo revela o que é na verdade. Uma palavra chata. Desprezo (ê)
sm. 1. Falta de apreço; desdém. 2. Repulsa com nojo.Não existe coisa mais triste que o desprezo. Ainda mais quando tal
sentimento é acompanhado do outro lado de muito amor. Quando certo alguém ama e é desprezado, quando um quer e o
outro não, quando um dá e não recebe. Quando se dá um beijo e recebe uma virada de rosto. Esse é o desprezo. Um deles,
ou o mais forte deles, pois está ligado diretamente com um dos sentimentos mais belos: o amor. Um ama, o outro rejeita e
assim a vida caminha. É triste, mas necessário que alguém nesse mundo sofra. Sempre que existir sorrisos, há de existir
também muitas lágrimas de sofrimento.
Muitos relacionamentos afetivos também são seriamente afetados por esse sentimento. Há, ainda, muita gente que pensa,
erroneamente, que, desprezando e sendo indiferente, vai aumentar o amor do outro. O que você acha disso? É uma forma
correta de amar?
Se você respondeu que sim, muito cuidado nessa hora.  Suas atitudes podem estar cavando um enorme abismo de dor e
sofrimento. E essa idéia tão antiga e retrógrada pode vir a fazer você sofrer, principalmente se vier a reconhecer tardiamente o
quanto agiu errado, encerrando-se numa redoma de superioridade e sempre achando que a tolerância da outra pessoa é
enorme e que é isso mesmo: tem que sofrer em suas mãos, pois você é assim mesmo e não vai mudar.
A gente pode desprezar valores antigos, pode desprezar o preconceito, pode desprezar a superimportância de problemas tão
pequenos, como um copo em cima da pia ou um sapato fora do lugar, uma toalha jogada em cima da cama, uma garrafa de
refrigerante no chão da sala e por aí vai....
Pode ser indiferente à inveja dos outros, à opinião alheia sobre sua própria vida, buscando aprovar-se e permitir-se ser forte o
suficiente para que as agressões gratuitas não venham a afetar seu íntimo. Mas, desprezar e ser indiferente com alguém que nos
quer bem é coisa grave. É dolorido demais, faz sofrer a alma e causa tormento ao pensamento.
Sim, visto que a outra pessoa vive tentando, tentando, tentando, buscando compreender o sistema complexo da cabeça e do
coração daqueles que pensam e agem dessa maneira.
Pode-se pensar que o problema é consigo, que já não são mais atraentes, que já não são mais interessantes e uma das piores
coisas é que tudo isto faz com que a pessoa torna-se solitária em sua própria alma.
Por final, amar não é sofrer. É ser feliz, é ser contente. É ficar esperando com alegria o momento de encontrar o outro, de
estar com ele, de compartilhar de seu carinho, de dar e receber atenção, de não somente ser feliz, mas fazer feliz também.
Talvez, um dia, aquele coração duro, que buscou se encouraçar para não amar, necessite daquele amor que tratou com tanta
indiferença. Mas, será que não vai ser tarde demais?

Henrique Fernandes

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