Se você é um desses que acorda antes do sol nascer e já está no trânsito antes das sete da manhã para ir ao trabalho, vai entender direitinho a minha revolta. Se você é uma dona de casa, que também levanta cedo para a lida diária, também vai concordar comigo, tenho certeza.
Então o rádio-relógio dispara o bip, ou toca alguma FM, e a gente dá aquele tapão na orelha dele. Claro, você sempre acerta no botão "soneca" aquele que faz o bichinho calar a boca, mas fica a nos torturar a cada dez minutos. Dia houve em que eu cismei, e fiquei dando tapões periódicos no carrasco durante a manhã inteira. Dormia nove minutos, cinqüenta e nove segundos e BIIIIIIIIIP! E dá-lhe tapão! Mais uma rápida soneca e o ciclo se repetia. Foi divertido, mas tenho de admitir que minhas últimas palavras antes de acordar definitivamente foram: Chega, eu confesso! Fui eu que matei minha sogra, três cunhados e aquelas pestes dos meus sobrinhos! E o entregador do jornal também!
Pois é, aquilo é uma tortura a céu aberto, ou melhor, a janelas fechadas, à meia-luz das cortinas. Mas enfim você acaba se levantando. Remelas fora, um tapa no topete, uma ida ao WC, aquele breakfast caprichado ou instantâneo, o banho e... rua! Não necessariamente nessa seqüência.
A coisa começa quando você liga o rádio da cozinha para a primeira edição do jornal, enquanto toma seu Nescau com sucrilhos. Começa assim:
Esta primeira meia-hora é um patrocínio do cartão de crédito "te roubo até as calças", você não vive mais sem ele!
Daí começam as notícias. Note que no intervalo entre elas, o impertinente do diretor de som aumenta o volume daquela música corrida, neurótica: Vambora, vambora, tá na hora, vambora! E você já começa a bater os dedos em cima do jornal e a mastigar os sucrilhos mais rapidamente. Seus olhos começam a se revirar, pode ir conferir no espelho. Você ainda não vestiu seu Omega 18 rubis alcalinos, mas fica olhando para o pulso o tempo todo.
E o locutor maluco: A hora, xis e pouco. E o outro maluco ao lado dele: Repita. E o cara: Xis e pouco! E você confere o pulso vazio de novo. Só de lembrar disso eu já estou digitando mais rápido. Que coisa!
E a primeira meia-hora do noticiário já está se esgotando. Você dá o último gole no café, escova os dentes enquanto veste o paletó, dá uma bicoca mentolada na esposa cuidado, não vá raspar as chaves do carro naquela cútis macia na hora que for abraçá-la. E com dois cliques no elevador já está no estacionamento ronronando seu bólido.
Assim que consegue um espaço na rua e ajeita uma terceira, você liga o rádio do carro. Olha lá o locutor maluco de novo: Esta segunda meia-hora é um patrocínio do cartão de crédito "te esfolo até o fêmur", você não vive mais sem ele!
Aí você começa a desconfiar da confiabilidade do programa. Afinal de contas, o patrocinador quer te roubar ou esfolar? Deve ser o mundo competitivo. Caim e Abel anunciando na mesma mídia!
E a danada da música a mil falantes: Vambora, vambora! E você pisa fundo, o air-bag até inicia as preliminares, pronto para agir.
Então o inesperado faz uma surpresa: a segunda meia-hora traz as mesmas notícias da primeira! Você ouve tudo novamente, sem poder reclamar, porque pelo menos o patrocinador mudou. A moça do tempo diz de novo que a previsão é de céu azul, e você já ficou vesgo com o limpador do pára-brisa batendo asas feito um beija-flor alucinado ali na sua frente.
Pare de reclamar! Você é um privilegiado. Assim que chega ao escritório a tortura radiofônica acaba. Dê-se por satisfeito pelo reencontro com a chefia e demais colegas que o acompanham na arena desse mundo competitivo.
Pense nas pobres donas de casa que, a esta hora, estão ouvindo a terceira meia-hora do programa, agora patrocinada pelo creme de beleza "faça Gisele corar de inveja", concorrente do "rugas nunca mais", que vai anunciar na quarta meia-hora. O Ibope dá o frio conforme o cobertor: primeiro alardeia para jovens executivos deslumbrados, e logo após entra o horário das jovens senhouras, também deslumbradas.
Em tempo, como a borrasca já passou, e saiu o arco-íris, e o sol brilha mais que o suor da sua testa quando seu chefe vem com ladainha, você fica aí achando que sua mulher acredita piamente em tudo que dizem na mídia, mas nem sabe que só agora ela teve tempo de dar uma olhadinha pela janela. Não há como discordar, está lá na cara dela, que nem a moça do tempo falou: previsão do tempo é de céu azul!
Viu como os homens não entendem as mulheres? Ou será o contrário? Ou a culpa é dos marqueteiros?
Bem, vamos deixar isto para outra ocasião. Por ora: Vambora, mermão! Senão Inês é morta!
Alberto Carmo