Está certo que a Internet abriu espaço a todas as vozes literárias sufocadas pela mídia viciada. Também está certo que todos sempre querem seus quinze minutos de fama - se derem a mão vão querer o braço, bíceps, cabeça, tronco e membros, e isso vai durar mais que hora. Irra!
Mas todo mundo tem vontade de ser famoso, de espichar o pescoço acima dos outros. E, na falta de critério, até beque de fazenda, se deixarem, dá uma de craque chutando de bico pelos sites que pululam por aí.
Mas ainda não é esse o ponto. Ao penetrar os meandros dos sites literários da Internet, e vasculhar pelas opções de prosa, principalmente, lá está eu logo no primeiro parágrafo. Eu isso, eu aquilo. Eu não devia ser tão prioritário, mas eu é. Se não estiver explicitamente nas primeiras frases, eu estará oculto - sujeito oculto, numa primeira pessoa de qualquer tempo do indicativo, raramente algum do subjuntivo - imperativo quase nunca, pois eu não gosta de dar ordens. Eu é politicamente correto. Mas eu fica emburrado se recebe uma negação imperativa e solta os cachorros em cima das segundas e terceiras pessoas. Quando eu quer passar uma impressão de grande conhecimento da língua pátria, eu se esconde, sem a mínima modéstia, num mais-que-perfeito. É quando eu se olha no espelho e faz mais trejeitos que a bruxa malvada: - Existe alguém mais incrível do que eu?
Eu gosta muito de falar de
si, gosta de mostrar grande humanidade e de se fazer de bonzinho - eu adora
se passar por
grande elemento. E, sempre que pode, eu exemplifica com citações,
como a sussurrar a vasta leitura que fez pela vida. De todas as plásticas
que eu, às vezes, faz durante a vida, raramente a faz no umbigo
- eu adora seu umbigo, o dele, claro.
Talvez eu nunca teve oportunidade de botar a cabeça fora d'água na vivência, seja por falta de talento, muito comum, seja por timidez, também comum. Mas, com o advento da rede mundial, eu ficou com as lombrigas assanhadas. Se Andy ainda estivesse vivo, mandaria fazer um relógio com apenas uma fatia do tamanho usual. Um mecanismo que contasse o tempo em quartos de hora, pois a eu não interessam os restantes quarenta e cinco minutos em que volta a ser um perdido na multidão. Eu só vibra quando está em evidência.
O problema de eu é que, descontadas as esparsas almas de boa vontade, tenta dar vôos mais altos do que lhe permitem as asas, ou os neurônios, se preferir. Quando eu se mete a dar vazão ao ego é um Deus nos acuda - só Ele para agüentar os pruridos de eu.
No fundo, mas bem no fundo, eu não é ruim, eu é boa gente. Eu só quer atenção. A culpa mesmo é da mídia que, a troco da atenção de eu, faz promessas de um mundo onde todos são artistas, gênios e bem pagos. E eu não resiste a tal apelo e acaba caindo na bacia das almas.
Eu só conhece dos verbos a ponta do iceberg, a primeira pessoa. Por isso eu corre perigo de não ver tu, ele, nós, vós, eles e, tal qual o Titanic, acabar indo a pique num desses mares.
A continuar assim, onde é que eu vai parar?