Mais uma noite vazia. Na televisão, quando não são filmes fracos, são programas de auditório caçadores de audiência e telejornais anunciando o crime da vez. Na geladeira, um frango assado congelado, que jurei a mim mesmo que iria comer no almoço de ontem e não comi. Nas ruas vizinhas ao prédio onde moro, insuportáveis decibéis, que chegam ao limite do que o tímpano é capaz de vibrar sem se romper.
Sento-me no quarto dos fundos e ligo um computador que nem processador Pentium possui. Conecto-me vorazmente a um provedor grátis, rezando para que não comece a sessão de quedas de conexão antes de, pelo menos, eu conseguir baixar todas as minhas mensagens. Acho que a poeira que se espalha pelo computador e pelos móveis é que me faz espirrar e ter crises de bronquite cada vez mais freqüentes.
As mensagens começam a ser baixadas. Enquanto isto, procuro pelos mesmos sites de sempre, para ver se há alguma novidade que possa alegrar-me um pouco. A palavra "novo" piscando na tela é um alento, que me faz acessar a seção onde ela se apresenta, a fim de constatar a informação indicada. Mas não. É apenas um "novo" velho, esquecido pelo "webdesigner", que, na lógica de sua realidade, não consegue imaginar o quanto dói a expectativa de a informação não corresponder à realidade. Realmente, não há nada de novo. Mas também pudera! A verdade é que não venho dando tempo ao tempo. Todo dia, faço a mesma coisa e a esperança impede-me de ficar saturado.
Na falta de novas informações nos sites que me dão alguma esperança, corro para as mensagens baixadas no Outlook. Das vinte e sete novas mensagens existentes, cinco são do tipo "how to enlarge your penis", quinze são de lojas virtuais, quatro de vendedores de cursos e apostilas, duas de sites de sexo explícito e uma, só uma, tem como assunto "li o seu texto". Deposito todas as minhas esperanças nessa última e curto bastante a ligeira taquicardia que sinto. Rapidamente, abro a mensagem e lá está: "Li o seu texto e quero dizer que publiquei algo semelhante há dois anos no site blá blá blá blá blá blá. Gostaria de saber se você leu o meu trabalho antes de publicar o seu". Num primeiro momento, fico com vontade de dar uma resposta malcriada para o cidadão, mas, depois, penso melhor e percebo que ele não pode ter a mínima idéia de que o seu e-mail é a minha última esperança de uma interação saudável com um público que aprecio. "Deixa pra lá." - penso - "Afinal de contas, são mais de vinte anos tentando obter respostas que, bem sei, nunca irão chegar".
Saio da internet, aciono o "shut down" para começar o processo de desligamento seguro do computador, mas nem isto consigo. Mais uma vez a tela congela. A obsoleta máquina nem memória RAM suficiente tem. Desligo a tralha na marra, levanto-me e saio daquele ambiente empoeirado. Vou para o meu quarto, estico a cabeça pela janela, para ver o movimento da rua. Do terceiro andar, posso ver mais um assalto a mão armada a um transeunte.
Sonhar está cada vez mais difícil neste país.
Felipe Cerquize