— Ok, telefonista! Já entendi que o ramal para falar com Deus é uma linha muito, muito confidencial e mesmo assim geralmente dá ocupado! Mas vou pedir encarecidamente por favor, por gentileza, por obséquio, que deixe o seguinte recado, nem que seja na secretária eletrônica:
“Caro Senhor Deus, dizem por aqui as pessoas místicas que religião significa religar. E dizem que para se fazer uma boa oração é preciso louvar o seu nome e assim lhe adorar. Desculpe se meus irmãos aqui na Terra ainda não chegaram à um acordo nem sobre isso. Aliás nem o nome do planeta, nossa casa comum, é unanimidade. Como essa crônica está sendo lida por cristãos, em sua maioria, vamos optar pelo grafismo do Tetragramaton, aquelas quatro letrinhas hebraicas que o Senhor deixou gravadas pelo seu próprio dedo nas tábuas dos mandamentos. Dizem que foneticamente seria Javé, ou como dizem por aqui, Jeová. Louvado seja!
Dizem as pessoas beatas, que numa oração que se preze não podemos esquecer de agradecer pelas dádivas divinas. Se meus irmãos aqui na Terra não agradecem, não é por esquecimento, mas por uma epidemia de amnésia coletiva que tem grassado pelos confins do planeta. Hoje não vou agradecer pelo ar, pela saúde, pelos entes queridos e outros jargões um tanto decorados pelos carolas de plantão. Sou grato pelo fim de tarde na calçada da cidade, quando aquele casal de cegos vinha sendo guiado por uma menininha. Grato pela lição, Senhor.
Dizem as pessoas de fé, que uma oração eficiente e eficaz é aquela onde também se pede perdão. Não vou pedir perdão para os pequenos delitos mesquinhos deste escriba obscuro. Penso que na grande roda da vida, certamente o Senhor deve gastar boa parte de sua eternidade atendendo causas maiores, que requerem doses homéricas de clemência. Mas não custa, antes do ponto que encerra esse parágrafo, pedir desculpas por todas as vezes em que deixamos de pedir desculpas.
Dizem os verdadeiros crentes, aqueles que leram os 66 livrinhos que compõem aquela antologia chamada de bíblia, que uma oração decente é aquela onde podemos pedir ajuda. Na verdade acho até que devemos suplicar por apoio. Senhor, não será o caso de prestar atenção aos interesses egóicos desse escrevinhador ocasional, vou pedir uma pitada de atenção aos nossos irmãos que choram. Inclusive os que choram de alegria pelo êxito em suas falcatruas políticas e corruptas, cujos efeitos nefastos é que geram aqueles que choram. Que esses recebam seu merecido quinhão, como dizia o velho João, lá em Revelação. Entendo caro Senhor, que esse quesito das petições seja sempre o mais demorado, então vou plagiar Salomão quando pediu para si mais sabedoria. Só peco, digo, peço um pouco mais de entendimento, principalmente para compreender melhor esse mundo caótico que nos cerca.
Senhor, sei que a lista de petições iria longe, mas tenho que desligar agora, afinal depois que as companhias multinacionais de telefonia formaram seus monopólios aqui no país, os preços de uma ligação estão pela hora da morte. É difícil ligar. Mais ainda, Religar."
Tchello d’Barros