CRÔNICA DO AMOR CARNAL
 
Dentre meus tantos pecados, há uma qualidade de estimação, que insiste em existir em mim, qual jóiade família, engastada em alguma veia dissidente do meu coração.
Nunca culpei alguém pelos meus erros. Bem dito, maiores que meus acertos.
Quando erro, em pensamentos palavras e obras, por "mea culpa" ou desacertos de amor que dedesamor estamos doentes, saio em busca de mim e tento o difícil resgate de quem se afoga em águas salgadas talvez lágrimas, perdendo na respiração o ar de esperança do verde, olhar sem metas, como na grande floresta seta atirada ao acaso, ocaso da premonição.
Sempre volto à praia, exausta, cansada, mas viva.
Deito-me na areia macia da reflexão e penso em ganhar chão firme, na difícil trilha da metamorfose.
Tantas vezes fui borboleta, paixão tão grande quanto uma dízima periódica e tantas vezes me vi larva, recolhida e pensativa, pequena como a certeza.
Tenho um pensamento estranho que tento explicar ao meu em torno. Normalmente sou mal sucedida.
Falando sozinha, acabo me ouvindo.
Pois que falar a sós, não é sandice, mas lucidez de cura, quando o turbilhão da crise nos envolve, para testar nossos vícios de renascer ao morrer.
Este pensamento, esta idéia, que tenta sua configuração em conceito, é tão obscura, que ainda tenho que dela fazer prosa, pois que a sábia simplicidade da concisão poética me é negada.
Desculpas, peço! Se muito procuro palavras, é porque engatinho na compreensão do meu desejo. E como é grande este desejo! Tão grande, que mal cabe em mim.
Um erotismo, escultura abstrata do encontro de almas que buscam fundirem-se em suposta unicidade.
Chamei meu companheiro, de muitas faces, para ser meu parceiro, na busca deste fogo de Prometeu e que me amparasse no difícil aprendizado de ser mulher. Em contrapartida, eu o ajudaria no desvendamento do que é ser homem e juntos brincaríamos com esfinges, mitos e faríamos sinfonias de teoremas.
Nunca, eu soube dizer direito o que queria, mas não sei se poderia.
Em contrapartida, ele quis me ensinar-me acrobacias sexuais para, através da carne, extasiar-se por segundos e viver da lembrança deste breve espasmo lindo e breve, mas de eterna lembrança.
Muito pouco: eu queria conhecer a alma masculina, no descobrimento de mim, na leitura da mulher, pelo meu parceiro de muitas faces.
Da carne, estrela infinita obedecendo as normas do espírito, cumpriríamos todos os rituais mundanos, como uvas na língua e vinho escorrendo pela boca. Sexo rápido à beira do fogão ou dançando um tango no Viejo Almacén.
Do espírito, alimentando a fome atávica de existir, repetiríamos os rituais do amor primitivo, para sempre puro em devassidão sem limites.
Fico assuntando se não seria deste chão que brotaria a delicadeza de mãos entrelaçadas no medo de ir longe, para atravessarmos juntos, as pontes pênceis dos nossos infernos.
O orgasmo que vem do amor, não tem tempo nem espaço, e eu penso que é onde as almas gozam de um jeito tão infinitamente forte que é como caminhar na perfeição de um círculo, onde nas margens, nos vigiam origem e futuro da humanidade a um só tempo.
A alma goza no corpo, carne que se eterniza saborosa, numa maciez de tal tamanho e conforto, que coloca no mesmo lóculo este mistério do êxtase da matéria, o aperto de mão dos amantes e a delícia do calor dos corpos casados, no silêncio da carne pacificada. Então, como Lúcifer é expulso o medo de viver desse paraíso.
Carne de alma, alma da carne onde por sulcos e cicatrizes por onde escorreram a vida, marcas tão bonitas como as manchas lilases que o amor deixa no escondido do banho matinal. Desenhos rudes, num desafio à lapidação dos diamantes dos sentimentos.
Não sei se é chegada a hora deste encontro! E, como não culpo ninguém pelos meus pecados de desentendimento e de não saber de saber de amor, e dele falar, vagarei sozinha por uma estrada bonita mas com tal bruma, que não sei se reconhecerei, ao final, aquela menina que quis amar carne abstrata, alma de sangue, de um só e eterno amor!
Ai que pedido precoce eu tive. De pedir à carne os prazeres da alma e à alma a devassidão da carne.
Será que o tempo ouviu minha súplica ao mótuo contínuo do vento?

Elane Tomich

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