A moda da releitura enquanto a nível de jornal

        Domingo, dia de macarronada, de missa e... jornal gordo! Dia ao qual a maioria das pessoas dedica alguma rotina. A minha principal é a leitura do jornal. Puro masoquismo!

        Começo sempre pelo Telejornal - vejo as figuras - assim logo começo a espumar, arrebento com o fígado, embrulho o estômago, e fico pronto para a enxurrada do resumo semanal dos novos problemas e crises que vou ver logo adiante.

        Rasgado o suplemento televisivo, e devidamente encaminhado à lixeira, passo para a próxima etapa, o Caderno 2. Hoje tem a Família Brasil, e sempre vale uma boa risada - a de hoje estava ótima. Depois dou uma vista d'olhos no Ubaldo. Dependendo da ressaca dele leio tudo, pois sempre me faz pensar que temos algo em comum - talvez seja a ressaca. Aí recomeça o martírio.

        Lá vêm as resenhas de livros, os concertos, a vida de algum famoso inteligente. É um tanto tendencioso - moldam-se mentes através da arte e, mais que nunca, com a propaganda. Há sempre alguma menção a temas sobre vítimas de perseguição no exterior. Ou a algum escritor, cuja família, ou o próprio, fugiu disso, daquilo, etc. Okay, já  sabemos, agora chega disso! Prefiro um cardápio mais ecumênico e local - umbanda, padre Marcelo, candomblé - até bispo eu encaro. Já se disse uma vez que, vítimas de injustiças, as temos aqui, entre nossos índios e negros que ajudaram a formar nossa raça, nossa cor, nossa culinária, nossa música, nossa descendência, nossa prole. E me bastam nossos povos brasileiros - de importado chega o chapéu Panamá, que eu preciso trocar por um novo, pois este já está pra lá de Bagdá.

        Programação da TV passo batido - coluna social é uma piada, cinema, salvo uns gatos pingados, idem. Quando o Ruy Castro ou o Mauro Dias comentam alguma MPB, vou até o fim com minha voz chinfrim sem reclamar.

        Chegou a vez do Caderno de Cidades. Buracos, enchentes, passeatas, julgamentos, chacinas. Nada de novo, foi rapidinho, indolor.

        Ah, aquele quadrinho que traz as notícias de um século atrás é sempre divertido. Ler o cotidiano daqueles sujeitos que viraram  nomes de ruas faz a gente sentir um não sei quê de saudades do cotidiano do vovô e da vovó. Lampião de gás, lampião de gás, quanta saudade você me traz.

        É claro que eu quase nem abro o caderno de Economia, principalmente o Wall Street Journal of Americas sem acento. A não ser para confirmar a loucura das corretoras da NY Stock Exchange logo após a fusão de duas grandes multinacionais, com desemprego global de milhares de pessoas, e os safados recomendando que a gente compre as ações delas. Como diria o Lilico: - É bonito isso?

        Então chega a parte mais demorada, e mais importante: o caderno principal. Começo sempre do fim para o começo. Leio primeiro a última página, quando não está inteiramente preenchida pela foto de um novo edifício, um skyscraper chamado algo como "Recanto dos Yuppies Deslumbrados, com 1,1416 árvores da Mata Atlântica e outras tolices. Vou lendo. Primeiro as internacionais, depois tecnologia, passo andando sobre ovos pela parte de política, e caio no editorial, cartas dos leitores, os dois colunistas, o tema do dia e... fim.

        Sobrevivi!

        Leio de trás para frente por pura superstição. Um dia quis ler normalmente e comecei a ter arrepios, iguais aos que eu tinha quando criança e tentava tomar banho logo depois de almoçar. Quase nunca consegui - exceções feitas quando precisava ir ao cinema para a matinê com a namorada. Ou comer manga com leite - morte certa. Superstição adquirida via DNA vai conosco até túmulo. Ah, eu também não chego perto de tesoura, nem do espelho durante chuva de trovoada. E também acendo e apago a luz várias vezes antes de ir dormir, mas aqui não é superstição, é tique nervoso mesmo, ou saudades das estroboscópias, sei lá. Também não acerto os relógios quando acaba o horário de verão. Primeiro, porque sempre adorei esse horário - eram os únicos meses em que podia ver o sol depois de sair do escritório, e também porque ter que fazer o cálculo da hora certa através de uma complexa equação do primeiro-grau: hora certa = x -1, ajuda a manter a mente ativa depois de certa idade. Pelo menos de março a outubro. O resto do ano a gente empurra - com a barriga, é claro.

        Mas já que está na moda esse negócio de releitura, de instalação, vou tentar um recurso de "última hora": instalo o Caderno 2  no Telejornal, este no de Economia, o Cidades no de Classificados, o de Política no de Negócios e Oportunidades, e o de Esportes no Suplemento Feminino.

        Pronto, tudo instalado. Vou fazer uma releitura. Se o meu humor melhorar, patenteio a fórmula e cobro uns dez por cento sobre o aumento da tiragem.

Alberto Carmo

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