Conversando sobre poesia
Num baile deixa-te disso, criança.
Deixa-te de orgulho, sossega:
Olha que o mundo é um oceano
Por onde o acaso navega.
Hoje, ostentas nas salas
As tuas pomposas galas,
Os teus brasões de rainha.
Amanhã, talvez, quem sabe ?!
Esse teu orgulho se acabe,
Seja-te a sorte mesquinha.
Ainda há pouco pedi-te...
Pedi-te para valsar...
Disseste é plebeu, é pobre,
Não me quiseste aceitar !
No entretanto ignoras
Que aquele a quem tanto adoras,
Que te conquista e seduz,
Embora seja da nata,
É plena figura chata,
É fósforo que não dá luz !
Deixa-te disso, olha bem:
Que a sorte dá, nega e tira !
Sangue azul, avós fidalgos
Já neste século é mentira:
Todos nós somos iguais,
Os grandes, os imortais.
Foram plebeus, como eu sou,
Ouve mais esta lição:
Grande foi Napoleão,
Grande foi Victor Hugo.
Que serve nobre família,
Linhagem pura de avós,
Se o sangue dos reis é o mesmo
O mesmo que corre em nós ?
O que é belo e sempre novo
É ver-se o filho do povo
Saber lutar e subir
De braços dados com a glória,
Pra o Pantheon da história
Pra conquistar o porvir
De nada vale o que tens
Que não me podes comprar !
Ainda que possuísses
Todas as pérolas do mar !
És fidalga, eu sou poeta,
Tens dinheiro, eu completa
Riqueza no coração;
Não troco uma estrofe minha
Por um colar de rainha
Nem por troféus de latão.
Agora sim, já é tempo
De te dizer quem sou eu:
Um moço de vinte anos
Que se orgulha em ser plebeu;
Um lutador que não cansa,
Que ainda tem esperança
De ser mais do que hoje é:
Lutando pelo direito,
Pra esmagar o preconceito
Da fidalguia sem fé.
Por isso quando me falas
Com esse desdém e altivez...
Rio-me tanto de ti,
Chego a chorar muitas vezes...
Chorar sim, porque calculo
Nada pode haver mais nulo
Mais degradante e sem sal,
Do que a mulher presumida
Tola, vaidosa, atrevida.
Soberba, inculta e banal.
(A Orgulhosa, de Trasíbulo
Ferraz Moreira )
A literatura brasileira é tão rica! Arrependo-me de não
ter lido mais e descoberto a imensidão das palavras maravilhosas
que existem dentro de certos livros, mais cedo. Poetas que não são
nem tão conhecidos, ou que não tiveram o tratamento adequado,
mas que escreveram obras magníficas, simples e imortais.
Outro dia estava conversando com meu pai sobre literatura, poesia e
escritores famosos. Ele falava que lembrava de uma misteriosa poesia –
pelo menos para mim – que me deixou intrigado. A poesia era sobre um sujeito
pobre que foi rejeitado num baile por uma moça, e depois disto recitou
um poema onde humilhava tanto a dama como o homem que dançava com
ela, mas de uma maneira que expunha todo o lado material e intelectual,
confrontado-os. “Ele dizia no poema que o homem que estava dançando
com a moça era um palito de fósforo que não ascendia.
Chamava ela de orgulhosa, inculta e banal. Era uma poesia e tanto”, dizia
meu pai.
Ficamos ali, conversando e tentando lembrar que escritor brasileiro,
pobre, boêmio e que morreu antes de completar 30 anos teria escrito
essa poesia. Foi aí que apareceu o nome de Castro Alves no meio
da conversa. Um amigo teria dito que essa tal poesia era de autoria do
grande poeta Castro Alves. Bem, já estávamos caminhando na
direção certa, pensei.
Chegando em casa, peguei alguns livros, folheei aqui, ali e nada. Nada
dessa poesia. Liguei o computador e fiquei procurando pela imensidão
da internet. Conversando com um poeta e dono de um site de poesia, achei.
Mas a poesia não é de Castro Alves, como pensam muitas pessoas,
mas sim de Trasíbulo Ferraz e se chama A Orgulhosa.
O poeta e jornalista, Trasíbulo Ferraz Moreira, nasceu em 28
de janeiro do 1870, em Lençóis, na Chapada Diamantina, freqüentando
as faculdades de Direito do Recife e da Bahia, até o quarto ano,
não concluindo o curso por moléstia pulmonar, de que faleceu
em plena florescência de seu talento. Foi redator-chefe da Gazeta
de Notícias, militou na imprensa diária de Salvador, lado
a lado com a literatura, publicando poesia, contos e crônicas.
Com a sua morte, seus amigos tiveram a iniciativa de reunir alguns
de seus versos numa coletânea sob o título de Poesias, com
o prefácio de Evangelista Pereira, em edição de uma
gráfica da cidade de Amargosa, no interior do Estado, em 1900. De
sua autoria é, ainda, o volume de contos Poliformes de 1896. Relatos
informam que não se conhece nenhuma foto do poeta.
Henrique Fernandes
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